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Raízes da aberração política brasileira

O problema do Brasil são os partidos políticos e o ambiente institucional em que operam

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Octavio Amorim Neto

Professor da Escola Brasileira de Administração Pública e Empresarial da Fundação Getulio Vargas (Ebape/FGV) e doutor em ciência política pela Universidade da Califórnia-San Diego.

David Samuels

É cientista político americano e professor de ciência política na Universidade de Minnesota, EUA. Ele é PhD pela Universidade da Califórnia, San Diego. Ele é especialista em política comparativa e política brasileira.

Em recente entrevista ao Valor Econômico em 24 de junho, Sérgio Abranches, o politólogo que tanto nos ensinou sobre o presidencialismo de coalizão, afirmou: “o modelo político não está dando certo”. Para consertá-lo, Abranches recomenda reformas urgentes para as leis que regulamentam a remoção presidencial e a escolha do Procurador-Geral da República (PGR) e o estabelecimento do referendo confirmatório.

As reformas deveriam eliminar o poder unilateral que tem o presidente da Câmara de Deputados de iniciar um processo de destituição do chefe do Poder Executivo e instituir a lista tríplice compulsória para a escolha do PGR. Já o referendo confirmatório devolveria à sociedade o direito de cancelar o mandato que conferiu ao inquilino do Palácio do Planalto.

Concordamos enfaticamente que o sistema político brasileiro não está dando certo. Todavia, os problemas do Brasil não decorrem apenas da centralização de poder nas mãos do presidente da Câmara ou da falta de uma lista compulsória para a seleção do PGR. As extensas prerrogativas do presidente da Câmara resultam de uma delegação outorgada por parlamentares interessados em lavar as mãos na hora de decisões complicadas e custosas. Ou seja, podem ser revogados ou mesmo ampliados. Quanto à lista compulsória, mesmo se estabelecida, sua intenção original pode ser contornada por um conluio entre os Poderes Executivo e Legislativo. Os EUA tiveram o mesmo problema sob Trump, que passou a usar o advogado-geral da União como se fosse o advogado particular do presidente. As tradições não importam se os governantes eleitos as ignoram.

Assim como Abranches, também verificamos que, de fato, o Congresso brasileiro não tem exercido o papel constitucional de freio e contrapeso às tendências autocráticas do chefe de Estado, dissolvendo, portanto, a separação entre os Poderes prescrita pela Carta de 1988.

A grande questão, entretanto, não reside na falta de separação constitucional entre o Executivo e Legislativo, mas, isto sim, na separação absoluta entre suas bases e desempenho eleitorais, a qual, por sua vez, acarreta falta de responsabilidade política coletiva por parte dos governistas, gerando a percepção segundo a qual os parlamentares não pensam no país, animados que são apenas por estreitos interesses pessoais.


Não à toa, os políticos governistas deverão sair-se bem nas eleições legislativas de 2022, mesmo se Bolsonaro não for reeleito, como bem lembrou Gilberto Kassab, líder do PSD (Partido Social Democrático) e um dos mais argutos intérpretes da cena política brasileira, em entrevista ao Globo em 4 de julho.

Tal “descasamento” eleitoral é simplesmente impossível em sistemas parlamentaristas e bem mais difícil em sistemas presidencialistas bipartidários, como o americano. O descasamento é impossível no parlamentarismo porque o primeiro-ministro carece de uma base eleitoral independente. Em um sistema presidencialista puro ou semipresidencial, mesmo que as eleições para o Executivo e o Legislativo sejam realizadas no mesmo dia, o eleitorado do presidente é nacional, enquanto cada legislador tem um eleitorado muito mais restrito do ponto de vista geográfico. O eleitorado de um primeiro-ministro é precisamente o eleitorado de seu partido parlamentar. Já um presidente pode obter vitória em uma parte do país, enquanto seu partido pode ser dominante em outra.

O problema do Brasil, portanto, são os partidos políticos e o ambiente institucional em que operam. O atual presidente não tem filiação partidária porque não lhe é útil. Os políticos governistas preferem ter Bolsonaro fora de suas agremiações porque, como nota Abranches, ainda não sabem se apoiar o ex-capitão é um custo ou benefício.

É do problema institucional-partidário que nasce a espantosa aberração que hoje se observa no país: a ausência de oposição vigorosa a um governo que tem errado tanto e afrontado tanto o regime democrático. Afinal, onde estão o PT e o PSDB?

Da constatação da referida aberração, se extrai uma importação lição: a ativação de freios e contrapesos não depende do que está escrito na Constituição, mas da percepção, por parte dos parlamentares, de que podem perder a próxima eleição.

Se os membros do Congresso podem descasar seu destino eleitoral do da presidência da República tão completamente, por que deveriam fazer algo a respeito de Bolsonaro? Ao final das contas, os parlamentares têm logrado se beneficiar da fraqueza política do governo com a obtenção de vastas fatias do orçamento federal sem ter que arcar com grandes custos eleitorais.

Pode ser que o PT esteja na moita porque quer deixar Bolsonaro assar em fogo brando. Pode ser que o PSDB esteja em cima do muro porque boa parte de seu eleitorado votou em Bolsonaro em 2018 e, assim como o PT, também deseje ver o ex-capitão ser churrasqueado lentamente. É possível que ambos os partidos temam o fanatismo bolsonarista e sua ala militar. Além disso, cabe lembrar que a polarização petismo-antipetismo não tem contribuído para a ação conjunta por parte dos partidos e líderes que rechaçam Bolsonaro.

De qualquer modo, a ausência de “freios e contrapesos” é fruto da ausência de liderança na oposição que mobilize –energicamente– forças no Congresso e na sociedade contra o governo. Nenhum país pode contar apenas com o Poder Judiciário para fazer isso.

Por isso, para consertar as mazelas políticas brasileiras, cremos que a adoção do semipresidencialismo –sistema híbrido em que um chefe de Estado eleito pelo voto popular partilha o Poder Executivo com um chefe de governo responsável perante o Legislativo– é um passo na direção correta, uma vez que casará o desempenho eleitoral da maioria parlamentar ao do chefe de governo. Uma redução radical no número de partidos também facilitará a tarefa. Reformas como as propostas por Sérgio Abranches são certamente importantes. Porém, mudanças constitucionais mais profundas são necessárias para que se vá ao âmago do problema institucional-partidário aqui retratado.

*Este artigo expressa a opinião dos autores, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV e da Universidade de Minnesota.

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