Descrição de chapéu Folhajus

Sob pressão, Bolsonaro propõe ao Senado recondução de Augusto Aras para mais dois anos na PGR

Anúncio com pedido para novo mandato ocorre em meio a desgaste do presidente com CPI, queda de popularidade e pedidos de impeachment

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Brasília

Em um momento de pressão política, Jair Bolsonaro encaminhou ao Senado a proposta de recondução de Augusto Aras para mais dois anos à frente da Procuradoria-Geral da República, órgão responsável por investigar e denunciar políticos com foro especial, incluindo o próprio presidente da República.

A mensagem foi publicada pelo mandatário no Twitter nesta terça-feira (20). ​"Encaminhei ao Senado Federal mensagem na qual proponho a recondução ao cargo de Procurador-Geral da República o Sr. Antônio Augusto Aras", escreveu Bolsonaro.

Em nota, Aras agradeceu ao presidente. "Honrado com a recondução para o cargo de procurador-geral da República, reafirmo meu compromisso de bem e fielmente cumprir a Constituição e as leis do país."

O anúncio da recondução ocorre em meio a pressões enfrentadas tanto por Bolsonaro quanto por Aras, indicado pelo presidente nas duas oportunidades fora da lista tríplice elaborada pelos procuradores da República.

O presidente vem assistindo a uma escalada de impopularidade, além de ter entrado na mira da CPI da Covid no Senado e de ser alvo de mais de cem pedidos de impeachment na Câmara.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), hoje seu principal adversário, ampliou vantagem nas intenções de voto para 2022 e alcançou 58% a 31% em simulação de segundo turno, segundo pesquisa mais recente do Datafolha.

Existem investigações sensíveis ao Planalto em curso sob a responsabilidade de Procuradoria, e Aras enfrentou críticas nos últimos dois anos por apurações que não tiveram andamento.

Atualmente, Bolsonaro é investigado por prevaricação no caso da compra da vacina indiana Covaxin. Ele também é alvo de inquérito por suposta interferência no comando da Polícia Federal, cujo prazo foi prorrogado nesta terça por 90 dias pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Há ainda os inquéritos das fake news e da quadrilha digital responsável por ataques à democracia na internet —as duas apurações citam filhos e aliados do presidente.

Uma das atribuições de Aras em um eventual segundo mandato na PGR será o de avaliar o relatório final da CPI da Covid do Senado, a ser enviado ainda neste ano à Procuradoria-Geral da República.

Para ser reconduzido ao cargo, Aras será sabatinado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado e depois precisará do voto de 41 dos 81 senadores no plenário.

O primeiro mandato de Aras só acaba em setembro, mas Bolsonaro decidiu já anunciar agora a recondução. Em 2015, por exemplo, quando indicou Rodrigo Janot para mais dois anos à frente da PGR, Dilma Rousseff (PT) enviou a mensagem ao Senado apenas na segunda semana de agosto.

O atual procurador-geral trabalhava para ser indicado ao Supremo na vaga do ministro Marco Aurélio, que completou a idade limite de 75 anos e que teve o decreto de sua aposentadoria publicado no início deste mês.

Bolsonaro optou por indicar André Mendonça para o STF. O chefe da AGU (Advocacia-Geral da União) preenche o requisito “terrivelmente evangélico” prometido pelo chefe do Executivo para a vaga.

Assim, caso prevaleça a indicação de Mendonça no Senado, Aras terá que torcer pela reeleição de Bolsonaro para que ele o escolha para o Supremo. O chefe do Executivo, inclusive, já falou da possibilidade de indicar o procurador-geral para uma terceira vaga na corte.

Continuar à frente da PGR no biênio 2021-2023 significa, para Aras, manter-se em evidência, situação que julga crucial na busca pelo Supremo em caso de reeleição do presidente.

Na avaliação de integrantes da cúpula da PGR, ao enviar a indicação ao Senado agora, Bolsonaro reforça o apoio do Palácio do Planalto a Mendonça. E manda um recado ao chefe do Ministério Público Federal, de não jogar contra seu indicado.

Mendonça é alvo de apuração preliminar na Procuradoria sob a suspeita de usar a máquina pública contra adversários do presidente. Quando esteve à frente do Ministério da Justiça, ele pediu à PF para abrir uma série de inquéritos com base na Lei de Segurança Nacional.

A exemplo de 2019, quando foi escolhido pelo presidente, Aras não se submeteu ao crivo de seus pares no processo interno promovido pela ANPR, entidade que representa a categoria.

A lista tríplice deste ano contou com a participação de 70% dos integrantes do Ministério Público Federal, uma demonstração de respaldo interno.

Por ordem de votação, foi eleita em primeiro lugar a subprocuradora-geral Luiza Frischeisen, seguida pelos subprocuradores-gerais Mario Bonsaglia e Nicolao Dino. ​Os três já haviam integrado listas à PGR em anos anteriores.

Desde 2003, a associação envia uma lista tríplice ao Palácio do Planalto com os mais votados. Bolsonaro não a considerou há dois anos e, agora, voltou a desdenhá-la.

A ANPR defendeu nesta terça-feira uma mudança na Constituição para tornar obrigatória a escolha de um nome da lista tríplice no processo de indicação do procurador-geral da República.

“A formação da lista tríplice assegura transparência a um processo que culmina com a escolha política exercida pelo presidente da República e um juízo de controle e ratificação pelo Senado, tudo resultando na independência que deve observar o PGR”, afirmou.

A entidade disse ainda que o não atendimento da lista “enfraquece o anseio pela independência do Ministério Público Federal e fragiliza a posição da instituição no exercício de seu papel”.

Integrantes da cúpula do Ministério Público Federal também cobraram do Congresso a aprovação de PEC (proposta de emenda à Constituição) que institucionalize a lista tríplice.

O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), avalia que o atual PGR terá a recondução aprovada com facilidade.

“Eu o apoio, com absoluta certeza. Ele tem feito um bom trabalho e acredito que haverá unanimidade a favor da indicação entre os senadores do MDB”, afirmou.

Izalci Lucas (PSDB-DF) também disse acreditar que Aras terá maioria para se manter no Ministério Público.

“A atuação dele no dia a dia é boa. Ainda pretendo conversar com ele, mas, no momento, não vejo nada que o desqualifique e o impeça de continuar no cargo.”

Parlamentares que fazem oposição ao governo criticaram a decisão do presidente e a atuação do PGR nos últimos dois anos. Alessandro Vieira (Cidadania-SE) classificou Aras como “um desastre ambulante”.

"Bolsonaro continua tentando esconder sua incompetência com ataques contra parlamentares e instituições, mas é impossível esconder o desastre ambulante."

O líder do PT, Paulo Rocha (PT-PA), disse que Aras atua apenas a favor do governo e, por isso, não deve ser reconduzido.

“Bolsonaro está premiando a conivência da Procuradoria Geral com os mal feitos do governo. O Aras está, claramente, seguindo a orientação dele. Não investiga, não encaminha as acusações contra o governo em relação ao Supremo”, reclamou.

O vice-presidente Hamilton Mourão elogiou a decisão de Bolsonaro. "O procurador Augusto Aras é uma pessoa de notório saber e reconhecida habilidade. Então, acho que era o normal, assim como outros já tinham sido reconduzidos anteriormente", disse.

Na semana passada, integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal pediram ao procurador-geral da República que investigue Bolsonaro pelo crime de abuso de poder.

O posicionamento veio na esteira de declarações de Bolsonaro, que afirma que as eleições de 2022 podem não ocorrer caso não exista um sistema eleitoral confiável —segundo ele, o voto impresso.​

A escalada golpista do presidente acontece em um contexto de pesquisas de opinião que apontam picos de rejeição e amplo favoritismo do ex-presidente Lula (PT) na corrida de 2022.

Bolsonaro subiu o tom de suas ameaças e, sem apresentar provas, insiste que haverá fraude no ano que vem e que o resultado do pleito já estaria definido.

Os autores da representação a Aras disseram ainda que o fenômeno do abuso de poder é “multifacetado, podendo materializar-se mediante a inversão, a subversão ou, até mesmo, por meio da supressão das ‘regras do jogo democrático’”.

Aras preside o Conselho Superior, órgão máximo de deliberação administrativa na estrutura do Ministério Público Federal. Ele tem sido criticado por seus pares por se silenciar a respeito das declarações de Bolsonaro e por representantes da oposição no Congresso.

Os cinco subprocuradores que cobram providências do chefe do Ministério Público Federal representam metade do colegiado. Entre eles, estão os três nomes das lista tríplice ao cargo de procurador-geral da República entregue recentemente a Bolsonaro.

Os senadores, apesar de esperarem um mandato menos alinhado com o Palácio do Planalto caso Aras siga no cargo, apostam que em qualquer cenário os trabalhos da CPI servirão para pressionar a PGR a adotar medidas contra o governo por erros na gestão da pandemia da Covid.

Senadores afirmam que um sinal nesse sentido foi dado no início do mês, quando a PGR solicitou ao STF a abertura de um inquérito para investigar Bolsonaro por suposta prevaricação por não ter mandado investigar denúncias de irregularidades no contrato que o Ministério da Saúde assinou com a empresa Precisa para fornecer doses da vacina indiana Covaxin.

Os senadores não estão otimistas de que Aras vai tocar o caso com prioridade. Pelo contrário, temem que ele arquive a denúncia.

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