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K-pop: do fanatismo musical ao ativismo político

Fãs usam redes sociais para interferir em cenário em países como Chile, Colômbia e Peru

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Gustavo A. Rivero

Durante os protestos de 2020 e 2021 no Chile, Colômbia e Peru, os fãs latino-americanos de K-pop – música popular coreana que mescla ritmos, estilos, rotinas de dança e tem uma estética definida – passaram do uso das redes sociais para apoiar seus artistas favoritos para usá-las para sabotar as hashtags dos influencers conservadores que desacreditaram as mobilizações.

Através de ações coordenadas, os jovens conseguiram burlar e minimizar o conteúdo político em favor de Sebastián Piñera, Manuel Merino e o uribismo. O fizeram através da postagem em massa de fancams, ou seja, GIFs, imagens e memes de seus artistas coreanos.

BTS é uma das boybands de K-pop mais populares em todo o mundo - Kim Hong-Ji - 22.out.2021/Reuters

Esta participação coordenada, conhecida como slacktivismo ou ciberativismo, caracteriza-se pelo uso da tecnologia, em especial da internet, para expressar insatisfação sobre temas específicos. Para alguns especialistas, esta não é uma forma genuína de participação, mas sim um conjunto de ações que são facilitadas graças à dinâmica da rede, pois não há envolvimento ou impacto 'real' na vida política dos países em questão.

Mas a verdade é que as ações dos k-popers no Twitter surpreenderam os governos latino-americanos afetados que, em sua ignorância, atuaram com certa ligeireza e exagero, chegando a catalogar as iniciativas como ciberterrorismo patrocinado pela esquerda radical internacional. Isto provocou escárnio e deixou em evidência a distância entre a política tradicional e estas formas emergentes de ação social.

Twitter, fandom e fanbase na América Latina
O Twitter e, recentemente, o Tik-Tok são, por excelência, as redes sociais do K-pop e seus seguidores as utilizam para apoiar seus artistas favoritos. Esta comunidade global altamente coordenada chegou a desenvolver um jargão para comunicar-se e coordenar as ações virtuais, seja para votações de prêmios como os Asian Artist Awards, os aniversários de seus ídolos ou fazer com que um lançamento musical se torne viral.

Normalmente, cada grupo musical de K-pop – BTS e NTC são os mais populares – tem seu próprio grupo de fãs ou fandom. O fandom do BTS é conhecido como ARMY (Adorable Representative M.C. for Youth) e tem um conjunto de contas no Twitter denominadas Fanbase que são organizadas geograficamente e têm milhares de seguidores. Na América Latina há um número significativo de contas em países como Chile, Colômbia e Peru, embora a conta peruana tenha sido suspensa recentemente.

Estes fandoms caracterizam-se pela manipulação dos algoritmos das redes a seu favor e o fazem basicamente através de três ações recorrentes. Em primeiro lugar, os fandoms se organizam anualmente para que seus grupos favoritos ganhem as votações dos prêmios musicais. Esta dinâmica global, conhecida como 'fighting' ou batalha, é altamente competitiva e foi iniciada em 2016 com os Asian Artist Awards, se popularizando no ocidente com os American Music Awards ou os Billboard Music Awards, onde a banda com mais votos no Twitter ou na página oficial é premiada.

A segunda ação a que os K-popers recorrem é o 'streaming ou listening party' onde, no período prévio ao lançamento de uma nova canção ou álbum, as fanbases instruem os seguidores, em seu próprio jargão, indicando um dia e uma hora, para que cada fã publique uma foto com a hashtag e a foto da música que estão reproduzindo e, assim, transformá-la em uma tendência global.

E a terceira ação, conhecida como 'limpar hashtags', é uma tática para contrariar o conteúdo postado no Twitter que busca desprestigiar o K-pop. Tal conteúdo sempre está acompanhado de hashtags que dizem coisas negativas sobre seus artistas. Em resposta, o fandom inicia uma limpeza dessas publicações, identificando essas hashtags para logo utilizá-las ao seu favor, ou seja, mudando ligeiramente sua forma e conteúdo e incluindo fancams nelas. Uma vez realizadas estas ações, elas são publicadas em massa. Como resultado, o conteúdo malicioso torna-se spam devido a seu alto volume de publicações, além de ser denunciado simultaneamente pelos próprios K-popers, fazendo-o desaparecer como um tópico sugerido na plataforma.

Como pode-se evidenciar, estes comportamentos virtuais exigem um alto nível de coordenação, tempo e compromisso. Um exemplo claro disto foi a 'limpeza de hashtags' empregada pelos k-popers latino-americanos durante sua participação nos protestos. Uma vez que estes fãs identificaram as hashtags conservadoras, eles as modificaram com fancams, postaram em massa e denunciaram as mesmas como spam.

No entanto, para que isto acontecesse, este conteúdo originalmente catalogado como 'político' pelo Twitter teve que mudar. Para fazer isso, eles as impregnaram com fancams de seus artistas favoritos, fazendo com que sua catalogação mudasse rapidamente para 'entretenimento' ou 'K-pop'. Feito isso, era só uma questão de tempo até que se tornassem spam, reduzindo drasticamente seu impacto.

Foi o que aconteceu no Chile, Colômbia e Peru durante os protestos, apesar de nenhum deles estar entre os principais países produtores de conteúdo K-pop. Entretanto, segundo a chefe de associações globais de K-pop e Kcontent, Yeon Jeong, vários países latino-americanos têm uma grande quantidade de fãs. O Brasil é o primeiro país da região e o sexto a nível mundial com mais contas ativas no Twitter, seguido pelo México em oitavo lugar no mundo, Argentina em décimo segundo, Peru em décimo nono e Colômbia em vigésimo.

As ações realizadas nos três países pelos K-popers não são ciberterrorismo. Na verdade, se considerarmos que esta indústria domina a conversa global no Twitter com uma produção de 7,5 bilhões de tweets em 2020, superando tópicos como a Covid-19, a crise climática e a insatisfação social, é evidente que o que aconteceu nos protestos foi só uma pequena amostra do alcance que essas mobilizações podem ter.

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