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Costa Rica: Chaves forma seu governo através de métodos privados

Chaves surpreendeu com a forte mudança de humor imediatamente após vitória eleitoral

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Enrique Gomáriz Moraga

Sociólogo, participou da Zona Aberta e da refundação do Leviatã. Foi consultor internacional de PNUD, UNFPA, GIZ, IDRC e BID

O presidente eleito da Costa Rica, Rodrigo Chaves, surpreendeu a muitos com a forte mudança de humor que tem mostrado imediatamente após sua vitória eleitoral — de um discurso de ruptura e anti-sistêmico para outro conciliador e unitário, como o pronunciado para receber no dia seguinte o candidato derrotado, José María Figueres.

Entretanto, esta mudança de atitude não o impediu de mostrar sua visão heterodoxa a respeito da formação do governo e do funcionamento da gestão da administração pública. Reproduzindo o modo de seleção de pessoal de entidades privadas e organizações internacionais, Chaves buscou formar um governo para além do sistema partidário e sem priorizar o programa de governo com o qual foi às eleições.

A questão básica é que as propostas do presidente eleito, feitas por uma perspectiva tecnocrática, embora proposta com toda boa vontade, acarretam sérios riscos para o desempenho da democracia. Não se trata só de mudanças pontuais na normativa ou na institucionalidade vigentes, mas dos fundamentos conceituais no qual se baseia o sistema democrático.

O novo presidente da Costa Rica, Rodrigo Chaves, discursa após tomar posse durante cerimônia no salão da Assembleia Legislativa, em San José, Costa Rica, em 8 de maio de 2022 - Mayela Lopez/Reuters

Pode ser que tais abordagens tenham a ver com uma questão de conhecimento, já que Chaves sabe muito mais sobre economia do que sociologia política, e não falo da ciência política institucionalista, mas do enfoque que também contempla a relação entre governantes e governados, assim como a cultura cívica e política dos cidadãos.

Ao levar esse assunto à conjuntura atual, a questão da função dos partidos na formação do governo torna-se particularmente relevante. Como se sabe, os partidos têm sofrido uma grande deterioração no marco da função de intermediação comunicativa, sobretudo desde o surgimento das redes sociais. Mas seu papel como atores políticos também tem sido relativizado. De fato, já não estão sozinhos como agentes importantes do sistema político.

Entretanto, a desvalorização é menor no que diz respeito à função clássica dos partidos, que é fornecer quadros diretivos e técnicos à administração governamental. Acima de tudo, eles têm sido criticados por se converterem em máquinas eleitorais e de provisão de pessoal governamental ao perderem relevância em outros campos.

Em todo caso, essa função dos partidos políticos refere-se a um elemento chave no funcionamento do sistema democrático: a manutenção orgânica do chamado compromisso programático que deve existir na medula do sistema político.

Na Costa Rica, como em outros países da região com regime presidencialista, a legislação eleitoral exige dos partidos que disputam as eleições a apresentação de um programa de governo. Isto não só se refere à definição de seu perfil programático, mas também constitui a base sobre a qual se configurará o Plano Nacional de Desenvolvimento do governo entrante.

Assim, o programa de governo do candidato eleito é projetado como matriz fundamental da ação do governo após as eleições. Em suma, estabelece-se, assim, um processo normativo e institucional que busca garantir aos cidadãos que as promessas eleitorais não sejam levadas pelo vento.

O presidente está no seu direito de afirmar que para eleger seus ministros não lhes perguntará em que partido votaram. Mas deveria fazer-lhes uma pergunta simples: você conhece o programa de governo no qual me candidatei às eleições?

Porque isso constitui a base sobre a qual o governo de Chaves deve atuar nas diversas áreas do desempenho governamental. Caso contrário, o presidente eleito estaria enganando as pessoas que o elegeram e o país como um todo.

Da mesma forma, quando o presidente eleito assegura que constituirá seu governo livre de ataduras e compromissos adquiridos, está dizendo uma meia verdade. Ele tem um compromisso inabalável com seu programa de governo e com a promessa de implementá-lo.

Neste contexto, a função dos partidos é múltipla. Antes de tudo, significa a encarnação em pessoas e mecanismos orgânicos do programa de governo apresentado. É a garantia de que a proposta eleitoral não é incorpórea ou unipessoal. Por um lado, pressupõe que o programa de governo não seja produto de ocorrências unilaterais, mas que seja o resultado de um processo coletivo encarnado em estruturas orgânicas.

Ademais, o partido encarna uma determinada proposta ideológica que deve oferecer aos eleitores a referência geral de qual será a orientação do governo. No caso do programa de Chaves, indica-se que pertence à "social-democracia moderna". E não importa se é difícil especificar o que significa essa classificação, o importante é que mostre sinais de identidade que os cidadãos possam reconhecer. A explicitação do perfil partidário proporciona algo fundamental para o funcionamento da democracia: facilita a possibilidade de eleger.

O candidato Chaves insistiu em sua campanha que os partidos tradicionais haviam se tornado tramas políticas e familiares, carentes de democracia interna e propensos à corrupção. E não lhe faltou razão. Mas um partido sem esses flagelos, composto por pessoas que compartilham um conjunto de ideias políticas e programáticas, representa o espaço ideal para abastecer a administração pública com hierarquias e quadros.

Escolher altos cargos dentro do próprio partido político que ganhou as eleições supõem aproveitar um espaço de confiança e segurança para o cumprimento do programa do governo.

É claro que isto não deve ser um obstáculo para eleger outras pessoas que não são do partido, se demonstram que têm maior competência. Mas a fórmula de buscar a excelência fora da comunidade de ideias partidárias e à margem do compromisso programático, usando métodos de seleção de pessoal de entidades privadas, embora pareça uma boa solução tecnocrática (que poderia ser imitada no resto da região), pode gerar instabilidade e perturbações desnecessárias, como acontece em países onde os partidos são efêmeros.

A organização dos partidos é necessária. Mas isto deve levar à reforma do sistema partidário, não à sua eliminação. Não só porque os partidos são atores políticos fundamentais segundo a Constituição, mas porque, embora não estejam sozinhos, representam a garantia de direitos fundamentais como o de associação, que no fundo supõe a proteção da democracia pluralista.

Desta forma, longe de se orgulhar da falta de solidez partidária, o presidente eleito deveria apresentar ao país uma proposta para sanar os partidos políticos e reconfigurar o sistema de partidos e representações políticas. Os partidos não são só a encarnação orgânica e humana do compromisso programático, mas representam a possibilidade de que uma proposta de governo se projete com o tempo.

O presidente eleito deveria ser consciente de que tem um conjunto de reformas e ações de ordem sociopolíticas pela frente, entre as quais se encontra reforçar um sistema partidário que fortaleça a democracia pluralista costarriquenha.

Antes, deveria aproveitar a oportunidade para consolidar o Partido Progreso Social Democrático como uma organização política robusta que lhe permita a manutenção de suas propostas de governo para além dos próximos quatro anos, que, como deveria saber, vão passar voando.

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