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O aquecimento dos oceanos já afeta a vida de muitos latino-americanos

As pescas artesanais nos países em desenvolvimento são particularmente vulneráveis aos efeitos da mudança climática

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Gabriela Jorge-Romero

Mestre em ecologia pela Universidade da República (Uruguai)

Jeremy Pittman

Doutor em sustentabilidade social e ecológica na Universidade de Waterloo (Canadá)

Ignacio Gianelli

Pesquisador colaborador na Universidade de Santiago de Compostela (Espanha)

Omar Defeo

Doutor em ciências marinhas no Centro de Investigação e Estudos Avançados de Mérida (México)

"Quando encerraram a pescaria eu quis morrer porque era isso que eu sabia fazer. Sabia como trabalhar as amêijoas. Eu sabia tudo", lembra Arturo Agüero, um pescador de La Coronilla, um pequeno povoado pesqueiro do Uruguai.

Era 1994 e, diante das enormes mortandades que dizimaram as populações de amêijoa amarela, as autoridades uruguaias optaram pelo encerramento total dessa pescaria no Departamento de Rocha para evitar sua extinção local.

Essa diminuição não foi mais que uma consequência direta do aumento sistemático da temperatura superficial do mar que havia sido registrado por vários anos, particularmente depois de passar de um período frio para um quente durante a década de 1990.

O aquecimento dos oceanos resulta, em parte, do aumento das emissões de gases de efeito estufa, em especial dióxido de carbono, que retém energia solar dentro da atmosfera, o que gera uma expansão tropical que é impulsionada por gradientes de temperatura que avançam para os polos em latitude média.

Esse aumento de temperatura altera a intensidade e a direção dos ventos, o que repercute na circulação e correntes de água.

Essas mudanças a longo prazo reduziram as camadas de gelo polar, alteraram os regimes de precipitação e implicaram um aumento no nível do mar.

Ondas no oceano Atlântico
Ondas em um agitado oceano Atlântico - Olivier Morin - 11.mar.2022/AFP

O aquecimento dos oceanos mostra um sinal claro no oceano Atlântico Sul Ocidental, particularmente sobre a plataforma continental do sul do Brasil, Uruguai e norte da Argentina, uma das maiores zonas quentes marítimas do mundo.

A bacia adjacente do rio da Prata também está sujeita a um aquecimento intenso. A corrente do Brasil evidencia um deslocamento consistente para o polo, e o avanço das águas quentes para a vertente no nordeste uruguaio tem sido reforçada pelo aumento da velocidade e frequência dos ventos para a costa.

As pescas artesanais nos países em desenvolvimento são particularmente vulneráveis aos efeitos da mudança climática.

O aquecimento dos oceanos tem sido responsável pela morte em massa de espécies com afinidade por água fria, a crescente ocorrência de marés vermelhas (florescimento de algas nocivas) e uma mudança de espécies de águas frias para espécies de águas quentes.

Assim, as comunidades pesqueiras que dependem dos recursos marinhos se veem cada vez mais ameaçadas pelo aumento da temperatura do oceano.

No caso da amêijoa amarela de La Coronilla, as mortandades em massa ocasionaram o encerramento da pesca, no qual os pescadores se viram forçados a diversificar seus meios de subsistência em setores locais da economia, como construção, agricultura e extração de madeira, ou se viram obrigados a migrar.

Isso mostra que o sistema socioecológico da zona como um todo, incluindo governança, sociedade e economia, não estava preparado para fazer frente a mudanças drásticas.

No verão de 2009, após 14 anos de fechamento da pesca, as famílias de pescadores voltaram a extrair amêijoas na praia de La Coronilla, uma tradição transmitida por gerações. Mas, dado o pequeno volume de amêijoas, a pesca foi reaberta com uma captura de apenas três toneladas.

Foi priorizada então a qualidade do produto em vez da quantidade, e um regime de cogestão foi implementado, mediante o qual os pescadores formaram parte da discussão das medidas de gestão da pesca.

Dessa vez, num esforço conjunto de pescadores, governo e universidade, a família Rocha, com ampla tradição pesqueira de várias gerações, embarcou na comercialização da amêijoa com base em produtos de maior valor agregado.

Foi assim que, graças ao impulso dessa família e ao apoio do governo, surgiu a primeira planta de processamento e purificação do produto para atender às normas para o consumo humano.

Esse marco permitiu que o produto começasse a ser vendido a um preço maior em restaurantes de balneários turísticos da costa uruguaia, o que o posicionou como um produto gourmet.

Entretanto, apesar do esforço dos pescadores, e devido à mudança das condições climáticas, o abastecimento ainda não pode ser assegurado.

A oferta não só é afetada pela escassez do recurso mas também é diminuída pelos constantes embates das marés vermelhas, cuja origem se deve, em grande parte, ao aquecimento da água, e que obrigam a encerrar a pescaria devido ao risco de intoxicações.

O número de dias de proibição de coleta de mariscos pela maré vermelha na costa do oceano uruguaio tem aumentado, particularmente desde o começo da década de 2000. Isso afetou a pesca costeira e limitou severamente a pesca da amêijoa amarela em La Coronilla.

"Quando ocorre uma maré vermelha, temos que parar de pescar e solicitar uma extensão da temporada de pesca. Essa é uma solução parcial, pois às vezes acabamos trabalhando no inverno, quando só 20 quilos de amêijoas podem ser vendidos. Isso não vale a pena", afirma um dos pescadores.

Pescadores navegam em Lima, a capital do Peru
Pescadores navegam em Lima, a capital do Peru - Ernesto Benavides - 29.jun.2022/AFP

Esse problema, no entanto, não se limita ao Uruguai. Pescarias similares têm sido prejudicadas na América Latina, incluindo a amêijoa nas costas peruana e chilena do Pacífico.

Os efeitos da variabilidade climática gerada pelos eventos do El Niño dizimaram a amêijoa peruana, cuja pesca permanece fechada desde 1999 e levou ao colapso socioecológico.

No caso da amêijoa explorada no Chile, o El Niño de 2015-2016 dizimou as populações e também levou ao fechamento da pesca por vários anos.

Embora a análise dos efeitos do aquecimento desigual dos oceanos tenha ganhado atenção nos últimos dez anos, a falta de dados nos países em desenvolvimento muitas vezes não permite dimensionar adequadamente os danos.

Entretanto é evidente como o aumento do nível do mar e dos ventos para a costa causam erosão, recuo de praias e perda de dunas. Até 2100, até 70% das praias do sul da Califórnia sofrerão erosão, e os eventos El Niño já corroeram zonas da costa do Pacífico e do Atlântico.

A intensificação das mudanças no clima, atuando em conjunto com outros impactos antropogênicos, aumentará a vulnerabilidade dos sistemas costeiros, que reduzirão sua capacidade de fornecer serviços e benefícios relacionados não apenas à pesca, mas também com a recreação, o turismo, o habitat rico em biodiversidade e a proteção costeira contra tempestades.

Isso tem tido e terá consequências socioeconômicas cada vez mais profundas nas comunidades que habitam as costas latino-americanas.

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