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Acordo fiscal latino-americano: rumo a uma região mais justa, inclusiva e sustentável

Sistemas tributários devem deixar de beneficiar um pequeno grupo enquanto as desigualdades se ampliam

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Pessoas buscam restos de alimentos em feira no Jaçanã, em São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

É a primeira vez nos últimos 25 anos que a desigualdade e a pobreza aumentaram simultaneamente, acelerando o devastador impacto da pandemia de Covid-19. O paradoxo é que, embora a profundidade da crise tenha aumentado, houve também US$ 42 bilhões de nova riqueza.

Um reduzido grupo de privilegiados, apenas os 1% mais ricos do mundo, tal como revela o novo relatório da Oxfam, apoderaram-se de dois terços desta nova riqueza gerada desde 2020, deixando apenas um terço para todo o 99% restante da humanidade. Trata-se portanto de uma intensidade de concentração da riqueza muito maior do que a acumulada na última década, quando esse 1% já tinha monopolizado metade da riqueza criada.

Entretanto, pelo menos 1,7 bilhão de trabalhadores vive em países onde não conseguem lidar com a constante escalada dos preços na sua vida cotidiana, que os afeta em bens de consumo insubstituíveis. Esta crise do custo de vida é uma crise de desigualdade, alimentada porque algumas das grandes empresas e os super-ricos se aproveitaram do contexto de incerteza, da pandemia e da Guerra na Ucrânia; e estão lucrando com isso, inflacionando preços e margens, à custa de uma grande maioria.

A riqueza extrema e a pobreza são duas faces de uma mesma moeda. Mas as desigualdades não são um tema de sorte ou azar, mas sim o resultado de decisões políticas. Isto abre uma luz: é possível reduzir as desigualdades e garantir os direitos, se trabalharmos na implementação de políticas econômicas mais justas. Esta é a abordagem da Oxfam nos seus relatórios, que foram apresentados durante o Fórum Econômico Mundial de Davos em janeiro de 2023: é tempo de os super-ricos pagarem mais, porque se não o fizerem, pagaremos nós.

Este pagamento nem sempre é estimado em termos monetários. Muitas vezes, os mais vulneráveis pagam com as suas próprias vidas, como pode ser comprovado em dolorosas e incontáveis ocasiões durante a pandemia de Covid-19 quando houve mortes em cifras alarmantes, que poderiam ter sido evitadas se os países tivessem sistemas de saúde pública mais bem financiados e eficientes.

A inaceitável realidade global também acontece na América Latina e no Caribe. Segundo a Oxfam, na nossa região, a riqueza dos bilionários aumentou 21% desde 2020, um crescimento cinco vezes mais rápido do que o de todo o PIB (Produto Interno Bruto) regional como um todo no mesmo período. Simultaneamente, mais de 200 milhões de pessoas encontram-se em situação de pobreza extrema, a insegurança alimentar afeta quatro em cada dez pessoas e os salários reais perderam um décimo do seu valor.

Desde 2020, surgiram também 30 novos bilionários na região, cuja fortuna em conjunto cresceu a um escandaloso ritmo de 68 milhões de dólares ao dia. Os principais setores em que estes bilionários operam são a alimentação, a saúde, as finanças e a mineração.

É importante que fique claro que esta riqueza não se dissipará. Não é, como muitos afirmam, uma prosperidade que, em algum ponto, irá escoar para a sociedade como um todo. E afirmamos isto com veemência porque não existem antecedentes históricos disso. Nunca aconteceu. O sistema é pensado para proteger os interesses de uma minoria à custa das necessidades da maioria.

O resultado não é apenas o aumento das desigualdades nos extremos, mas uma alarmante polarização da renda, com uma redução da classe média e a formação de dois pilares de renda muito distantes entre si, o que também dá origem a uma polarização política e representa um risco latente para as nossas já frágeis democracias.

Morador de rua revira lixeira na praça da Liberdade, região central de São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

Entre as causas está a captura da política fiscal, com o colapso da tributação dos super-ricos e das grandes empresas, enquanto a tributação dos mais pobres e da classe média aumentou. De fato, a taxa marginal para as rendas mais altas na região reduziu para a metade, baixando de 50% para 26% desde 1980.

Por outro lado, entre 2007 e 2019, a arrecadação tributária na América Latina e Caribe apenas cresceu 7%, e isto à custa de a carga fiscal ter caído essencialmente sobre os trabalhadores através de um aumento de 11% nos impostos sobre o consumo, renda pessoal e contribuições para a segurança social, ao mesmo tempo que a tributação à renda corporativa e a riqueza caiu 5%. Assim, os sistemas tributários na América Latina ampliam desigualdades pelo fato de que os que mais têm pagam proporcionalmente menos impostos.

Além disso, nenhum país da América Latina e Caribe tributa as rendas do capital acima das rendas do trabalho, e 17 dos 91 mil milionários da região vivem em países onde não se aplica nenhum imposto sobre a herança, doações e sucessões. Assim, se nada mudar, US$ 158,6 milhões de dólares totalmente livres de impostos passarão para a próxima geração, o que alimenta uma vez mais uma roda de ultrarricos e privilegiados.

Existem alternativas. A Oxfam propõe recomendações fiscais para uma América Latina e Caribe mais justo, inclusivo e sustentável, assegurando que os rendimentos arrecadados com maior progressividade se destinem à redução das desigualdades e a garantia de direitos, especialmente na saúde pública, nos sistemas de cuidados públicos e nas transições justas. Entre outras medidas, se os governos adotarem um imposto entre 2% e 5% sobre o patrimônio líquido dos bilionários, poderia ser incrementado em 36% o investimento público na saúde em toda a região.

Os governos também podem pressionar para um grande acordo fiscal latino-americano através de medidas para combater a evasão e os paraísos fiscais, bem como uma revisão dos benefícios tributários ineficientes. Isto deverá estimular a construção de sistemas fiscais mais inclusivos, sustentáveis e equitativos, que podem conduzir a uma onda de reformas fiscais progressivas nos países, melhorar a cooperação fiscal na região, e formar um bloco para garantir melhores acordos tributários globais para a mesma região.

Os sistemas tributários da região devem deixar de ser regressivos e beneficiar um pequeno grupo de ultrarricos, enquanto as desigualdades se ampliam. É necessário mudar as regras do jogo, e a América Latina e Caribe vivem uma oportunidade imediata e única para fazê-lo. O apelo em Davos do Ministro da Fazenda colombiano, José Ocampo, para uma cúpula fiscal regional é um primeiro passo muito significativo para isso, uma porta que se abre para alcançar sociedades mais justas para todas e todos.

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