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Giorgio Romano Schutte

Por que a justiça tributária ganha força no mundo

Propõe-se, em nível internacional, tributação mínima global a multinacionais

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Giorgio Romano Schutte

Professor associado em relações internacionais e economia da Universidade Federal do ABC e coordenador do Opeb (Observatório da Política Externa e Inserção Econômica do Brasil da UFABC)

O renomado economista e novo ministro da Economia da Colômbia, José Ocampo, assumiu o mandato colocando em pauta uma reforma tributária para a igualdade e a justiça social. O tema também foi declarado prioridade no Chile.

Nos EUA, Joe Biden quer ampliar políticas sociais financiadas com a tributação dos super-ricos, e António Guterres, secretário-geral da ONU, fez um apelo para que os governos capturem parte da renda dos lucros extraordinários do alto preço dos combustíveis, por meio de tributos específicos, e destinem esses recursos para aliviar seu impacto sobre as camadas mais pobres.

Chile e Colômbia são economias que durante décadas seguiram o receituário neoliberal com certo resultado nos indicadores macroeconômicos. Ocorre que o crescimento não enfrentou a desigualdade e acabou por agravá-la.

Quando começou a onda conservadora na América do Sul, havia a suposição de que perduraria por várias gestões. Durou muito pouco, e um dos motivos é a insistência em políticas econômicas dos anos 1990, desvinculadas do combate à fome e à miséria.

Neoliberalismo não deve ser confundido com capitalismo: é apenas sua forma de organização econômica e social para diminuir a parcela da renda do trabalhador na renda nacional e, assim, aumentar a participação do capital nos lucros e rendas. E nisso o neoliberalismo foi vitorioso, mas gerou problemas de demanda, fragilizando a coesão social e revelando enorme potencial para gerar conflitos.

Quarenta anos de neoliberalismo provocaram uma brutal concentração de renda. E isso se deu tanto nas fases de expansão quanto nas crises, como a de 2008, e a tendência acompanhou a pandemia. Segundo o relatório "Lucrando com a dor", da Oxfam, mais de 250 milhões ao redor do mundo correm o risco de cair na extrema pobreza só em 2022. Em dois anos, surgiram 573 novos bilionários, e outros 2.668 viram sua riqueza crescer 42%. Apenas dez dos homens mais ricos do mundo têm mais do que os 40% mais pobres, ou seja, mais de 3 bilhões de pessoas.

O fosso da desigualdade se aprofundou tanto que o debate ganhou musculatura nos países avançados. Joe Biden não virou socialista da noite para o dia, mas ele e setores da elite passaram a ver que esse modelo enfraqueceu o dinamismo da sociedade —e mais: desestrutura o tecido social. Tornou-se uma questão para a sobrevivência até do capitalismo estadunidense. Nos EUA, até 1980, a renda do trabalho acompanhava o aumento da produtividade. Já nesses 40 anos, a produtividade aumentou 80%, e a renda do trabalho, apenas 1%.

Por isso, e para reinventar o papel do Estado na economia, com políticas industriais e tecnológicas, o governo Biden vem se dedicando a ampliar políticas sociais financiadas com a tributação de empresas e pessoas físicas, os famosos super-ricos. Em 2020, das 500 maiores empresas estadunidenses, 55 não pagaram nada de impostos federais, mesmo com US$ 40 bilhões de lucros. A preocupação com a distribuição da riqueza chegou também à China, que priorizou durante muito tempo o crescimento do bolo, provocando também aumento da desigualdade.

A resposta a tudo isso finalmente avançou em nível internacional com a proposta de uma tributação mínima global para multinacionais. Para a Rede de Justiça Tributária (TJN, na sigla em inglês), isso pode combater a evasão fiscal em grandes corporações multinacionais, que se utilizam de sua influência para pressionar políticas em diversos países e manter a farra dos paraísos fiscais.

Guterres foi contundente ao chamar de imorais os atuais lucros das empresas petrolíferas diante do sofrimento que os altos preços dos combustíveis estão causando para a maioria da população mundial. Ele nem deve imaginar que o governo brasileiro fez exatamente o contrário: antecipou a distribuição dos lucros exorbitantes da Petrobras, dando R$ 55,7 bilhões para acionistas privados, dos quais metade está no exterior. O Brasil ainda é um dos poucos países no mundo que sequer taxa dividendos.

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