Dada a urgência da erradicação da pobreza e o volume histórico de recursos públicos para este fim, o desenho do Bolsa Família pode e deve gerar a maior redução possível na pobreza.
A transferência de renda para os mais vulneráveis é um objetivo em si e também o primeiro passo para a inclusão ao trabalho. O objetivo último sempre deve ser a emancipação das pessoas. Nosso desafio no momento é ajustar o programa para que ele de fato chegue a quem mais precisa e não desincentive a emancipação.
O novo Bolsa Família estabelece que são elegíveis ao programa as famílias inscritas no CadÚnico cuja renda familiar per capita mensal seja igual ou inferior a linha de pobreza, atualmente de R$ 218.
O benefício financeiro que os elegíveis têm acesso parte de um piso de R$ 600 por família. Por exemplo, uma família composta por uma mãe e uma criança pequena recebem R$ 750 mensais. Esse é o recurso estável mais generoso que o Brasil já teve, um grande passo para a política social.
No entanto, atualmente, o Bolsa Família atrapalha a busca pela emancipação. Caso a mãe consiga um trabalho por R$ 450 e declare corretamente esta renda, ela perderá os R$ 750 pois deixa de ser elegível.
Gostaríamos de impor tal perda nessa situação? Não, não só a família é incentivada a não declarar corretamente sua renda como fica difícil reverter o afastamento do mercado de trabalho por longos períodos.
Existem mecanismos simples que corrigiriam esse desincentivo ao trabalho e à declaração correta da renda. No desenho do programa, essa correção é importante também pela magnitude da perda de recurso público envolvido.
Aplicando os critérios de elegibilidade e valor de benefícios do programa atual na renda da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2022, o orçamento necessário para erradicar a pobreza seria de R$ 72 bilhões por ano. Para 2023, o governo tem disponível R$ 175 bilhões para o programa, mais que o dobro do valor necessário caso tivéssemos focalização perfeita.
Focalização perfeita requer conhecimento da renda correta dos beneficiários, algo que o próprio programa está desincentivando. Não alcançaremos essa economia de R$ 100 bilhões, em parte, por conta do desincentivo à correta declaração pelos beneficiários.
Outro ponto importante é que sabemos que dobrar os recursos do Bolsa Família ou melhorar a focalização em 35% geram a mesma redução na pobreza –a segunda sem custo. Não faltam evidências que corroboram que o caminho mais eficaz e de menor custo para reduzir a pobreza é pelo incentivo à declaração correta das informações e da focalização.
Como podemos fazer esse ajuste? A implicação para a política pública é retornarmos ao modelo antigo do próprio Bolsa Família, chamado benefício de pobreza extrema. Estamos falando de algo que já fizemos.
A versão anterior do programa complementava a renda da família até alcançar o valor da linha de pobreza, ao invés de conceder um valor fixo, de forma a não impor uma perda quando o beneficiário alcançava autonomia. Inclusive, o programa pode incentivar a geração de renda pela família adicionando um bônus quando isso acontecer.
No caso da mãe com uma criança que aceitou um trabalho por R$ 450, o programa poderia complementar o valor até os R$ 750 e adicionar um bônus pela inclusão produtiva. Dessa forma, a família não se desconecta do mercado de trabalho e tem incentivo para declarar sua renda devidamente.
Esse ajuste no Bolsa Família tem uma série de ganhos: pode torná-lo mais efetivo no combate à pobreza, incentiva a família a declarar corretamente sua renda, potencializa a inclusão ao trabalho e gera economia de recursos públicos para, quem sabe, ser ainda mais generoso num futuro próximo.
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