Laura Müller Machado

Mestre em Economia Aplicada pela USP, é professora do Insper e foi secretária de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo

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Por que a população em situação de rua cresce apesar da redução da pobreza?

Êxodo para as ruas é maior em territórios mais ricos, provável consequência do rompimento de vínculos

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A população em situação de rua cresceu 12% ao ano nos últimos 10 anos, triplicou de tamanho, enquanto a pobreza oscilou, mas caiu e voltou ao mesmo patamar de uma década.

A população em situação de rua está onde há riqueza, e não nos territórios mais pobres. Essa evidência quebra alguns paradigmas e pode dar luz ao que precisamos construir, para além das políticas de transferência de renda tradicionais.

Nossa política de proteção social baseada em renda coincidentemente ascendeu muito no mesmo período em que a população em situação de rua triplicou. Algo está faltando.

Moradores em situação de rua e dependentes químicos na praça da República, no centro de São Paulo
Moradores em situação de rua e dependentes químicos na praça da República, no centro de São Paulo - Bruno Santos/Folhapress

A Europa, por meio da sua Rede de Política Social Europeia (ESPN), lançou uma série de relatórios com evidências sobre o tema. Os dados mostram que ao longo dos últimos anos, a depender da disponibilidade do dado para cada país, a população em situação de rua na Alemanha aumentou 15% ao ano e, na Inglaterra, 14%. Em outros 12 países passíveis de análise, apenas a Finlândia não registrou alta.

Estamos tratando de um problema mundial. No Brasil, a elevação é de 12% ao ano, um crescimento constante ao longo dos últimos 10 anos, cenário muito diferente da percepção de que o agravo foi exclusivamente devido à pandemia. Antes da crise de Covid-19, tal população já havia crescido 140% em relação a 2012, de acordo com o CadÚnico (Cadastro Único) do governo federal.

Os estados brasileiros com maior número de pessoas em situação de rua por habitantes são também os mais ricos: Mato Grosso, São Paulo, Mato Grosso do Sul, além do Distrito Federal. Os mais pobres, como Alagoas, Amazonas, Maranhão e Pernambuco, estão entre os locais com menor incidência.

Por que em um retrato comum da pobreza, como do interior do Nordeste, com escassez de água e alta vulnerabilidade, não temos índices tão elevados de pessoas em situação de rua?

A cidade de São Paulo fez um censo com essa população e alguns dados chamam a atenção: quando perguntados sobre o motivo de estarem na rua, menos de 5% atribuíram a causa à migração. Na pesquisa, 74% declararam viver sozinhos antes de irem para a rua e 69% declararam viver com familiares. Quando questionados sobre motivações, 50,2% responderam que experimentaram algum tipo de rompimento de vínculo.

Uma das explicações para esse fenômeno, de maior índice de sem-teto em territórios mais ricos, pode ser a força da rede de apoio e de convivência que as regiões mais pobres constroem, até por necessidade.

O entendimento de que precisamos ser solidários e acolhedores (mesmo porque amanhã pode ser você em apuros) é o que mantém muitas comunidades vinculadas, apesar da violação dos direitos que vivenciam. Em uma sociedade com laços e comunidades fortalecidas, há acolhimento e socorro.

Sem rede de apoio, na hipótese de um cotidiano vulnerável a eventos extremos como fome, violência familiar e abusos, a reação humana também pode ser extrema. Com laços comunitários cada vez mais enfraquecidos, a falta de vínculo aguça essa resposta dramática a eventos adversos. Nesse caso, a drogadição é mais consequência do que causa.

A transferência de renda e o combate à pobreza são direitos essenciais, mas não substituem a necessidade de proteção social que só o pertencimento e o vínculo comunitário geram. Se como sociedade, em especial nos locais mais ricos, enfraquecermos o acolhimento, podemos ter um agravamento das reações extremas que a transferência de renda pura não será capaz de reverter.

Não responsabilizo especificamente a população em situação de rua ou envolvidos com esses episódios, mas toda a sociedade. Se parte da nossa pobreza provém da falta de pertencimento, é preciso aprender uma nova forma de abordar os desafios da adversidade à que todos estamos suscetíveis.

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