Descrição de chapéu Governo Lula

Universidades têm obras inacabadas há 16 anos enquanto Lula promete novos campi

Instituições observaram orçamento minguar nos últimos dez anos; após pressão, governo anunciou pacote de investimento

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Rafaela Araújo/Folhapress

Campus Quitaúna da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), em Osasco, está em obras há 16 anos - Rafaela Araújo/Folhapress

São Paulo

O campus de Unaí da UFVJM (Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri), em Minas Gerais, completou dez anos de existência na última quinta-feira (20). No período, a unidade formou quase mil profissionais em cinco cursos de graduação, mesmo sem todas as instalações prometidas na época de sua criação.

Dezenas de universidades federais de todas as regiões do país acumulam obras paradas ou atrasadas e projetos abandonados em razão da queda de orçamento que viveram nos últimos anos.

Eleito tendo como uma das promessas a retomada de investimentos no ensino superior, o presidente Lula (PT) anunciou no início de junho um PAC de R$ 5,5 bilhões para parte dessas obras inacabadas, além de uma nova ampliação da rede federal. O anúncio ocorreu em meio à greve de professores e servidores, em uma tentativa de esvaziar o movimento.

Conforme mostrou a Folha, parte do recurso anunciado já estava prevista desde agosto do ano passado. Reitores afirmam que os valores liberados ainda são insuficientes para retomar os projetos e abarcar os investimentos necessários.

Apesar de concordarem com a necessidade de expansão das universidades federais, como quer o governo, os gestores afirmam ser ainda mais necessário aumentar o financiamento, já que não há recurso suficiente nem mesmo para o pleno funcionamento das instituições existentes.

"Nossa expansão ocorreu às vésperas do processo de subfinanciamento das universidades. Nossos dois novos campi nasceram e dois anos depois veio o teto de gastos do governo Temer e a queda de orçamento. O que nos sobrou? Um espólio de obras paradas", diz Heron Bonadiman, reitor da UFVJM. Considerando apenas as mais estratégicas, diz, são 19 obras que não saíram do papel.

Quando o campus de Unaí foi planejado, era prevista a construção de três prédios. Até este mês, apenas um deles foi concluído. A universidade também não conseguiu recursos para terminar a urbanização do campus. "Até agora a unidade está na terra, não temos dinheiro para fazer calçamento, arborizar o entorno", relata o reitor.

Campus Quitaúna da Unifesp, em Osasco, foi anunciado há 16 anos - Rafaela Araújo/Folhapress

Sem a infraestrutura adequada, a universidade nunca conseguiu ofertar todas as vagas previstas na unidade. O plano era que o campus abrisse 200 oportunidade ao ano. São oferecidas 100.

A situação de carência atinge das menores às maiores instituições do país. Na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), por exemplo, a construção do campus Quitaúna, em Osasco, foi anunciada há 16 anos e tem seu cronograma inicial atrasado há cinco.

Nos últimos anos, a instituição quase não recebeu repasses para obras, de acordo com sua reitora, Raiane Assumpção. Houve investimentos apenas pontuais, seguiu Assumpção em entrevista à Folha no último mês.

Em 2023, o governo federal se comprometeu a enviar R$ 18 milhões para a finalização do campus Quitaúna, já tendo repassado R$ 6 milhões, segundo a instituição.

A UFU (Universidade Federal de Uberlândia) também faz obras desde 2012 para a construção do campus de Patos de Minas no Triângulo Mineiro. Por falta de recursos e problemas burocráticos, o atraso faz com que os cursos funcionem de forma provisória em uma faculdade particular alugada, com custo de quase R$ 1 milhão ao ano para a instituição.

Na UFG (Universidade Federal de Goiás), mais antiga universidade pública do Centro-Oeste, o orçamento de capital —utilizado para investimento em infraestrutura— foi de R$ 173 milhões, corrigidos pela inflação, em 2014, para R$ 1,2 milhão neste ano, uma redução de 99%. A instituição diz ter uma "enorme demanda de obras reprimidas."

Já o orçamento de custeio —que paga o dia a dia—, no mesmo período, passou de R$ 192 milhões para R$ 115 milhões, 40% a menos. Além de financiar a operação da UFG, o montante paga pelo aluguel de um prédio na cidade de Goiânia, usado para sanar a demanda por salas de aula.

No mesmo estado, a Ufcat (Universidade Federal do Catalão), criada em 2018, não tem orçamento para construir laboratórios, salas de aula, prédio para os cursos de licenciatura e um parque tecnológico, necessários para o pleno funcionamento dos cursos.

Lá, ainda há outro problema. "A situação quanto à verba de custeio é caótica, tendo em vista que o recurso destinado para todo o ano de 2024 se encerrará no presente mês de junho", afirma a reitoria.

Caso semelhante é o da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), afundada num déficit de R$ 380 milhões. A maior federal do país enfrenta um "processo inexorável de degradação de sua infraestrutura", expôs seu conselho, e pede socorro financeiro ao governo.

Sobre repasses, há casos ainda piores. A UnB (Universidade de Brasília) recebeu R$ 1 para custear suas obras neste ano. Em 2014, foram R$ 46 milhões. Isso deixa a instituição sem capacidade de concluir obras importantes, casos do novo prédio da faculdade de agronomia e medicina veterinária (previsto para 2023) e do novo prédio do instituto de física.

A reitora da universidade, Márcia Abrahão, diz que as 69 universidades federais têm demandas históricas por melhoria da infraestrutura, ampliação de prédios e equipamentos. Ela é também presidente da Andifes (associação dos reitores das federais).

"Temos universidades antigas, de 100 anos, que precisam fazer a manutenção da sua infraestrutura física, precisam também ampliar a infraestrutura", diz Abrahão.

"As universidades mais jovens precisam ainda completar a sua infraestrutura física, muitas têm prédios alugados que precisam construir ou adquirir novos espaços e todas as universidades têm que ter um parque tecnológico que se renova continuamente. Tudo isso necessita de recurso de investimento", continua.

Algumas universidades relatam não ter recursos nem mesmo para obras necessárias para garantir a segurança dos estudantes e funcionários. São os casos de UFTPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) e Unifal (Universidade Federal de Alfenas), sem dinheiro para reparos urgentes de prevenção e combate a incêndio.

Mesmo com todas as dificuldades, porém, a reitora defende ampliação de vagas no ensino superior. Ela lembra que o país segue longe de atingir as metas do PNE (Plano Nacional de Educação) com relação ao acesso de estudantes para cursos de graduação nas universidades públicas.

O plano, que vence neste ano, estabelece que o país deveria chegar ao fim de 2024 com ao menos 33% da população de 18 a 24 anos matriculada ou já tendo concluído um curso de graduação. Segundo o IBGE, em 2023 a proporção alcançou apenas 26,3%.

Até agora a unidade está na terra, não temos dinheiro para fazer calçamento, arborizar o entorno

Heron Bonadiman

reitor da Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri

O plano também estabelece a ampliação do acesso ao ensino superior priorizando a rede pública. O movimento que se viu na última década, no entanto, foi na direção contrária —apenas 7,4% das novas matrículas desde 2013 são dessa modalidade.

"Uma universidade é um projeto que não se conclui nunca, está em constante processo de ampliação. Por isso, não podemos esperar que todas se concluam para criar novas. Mas essa expansão precisa ser feita com planejamento e previsão de recursos suficientes para as já existentes e as novas", diz Gustavo Balduíno, consultor em ensino superior.

Reitores defendem que o governo federal crie uma lei que estabeleça um valor fixo a ser destinado às universidades anualmente. Hoje, os valores são definidos conforme a prioridade de cada gestão.

O modelo desejado é o das universidades paulistas, que recebem um percentual fixo do que o governo estadual arrecada com ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços), dando segurança e previsibilidade orçamentária às instituições.

Fernando Haddad, ministro da Fazenda, se comprometeu a estudar a proposta.

Enquanto isso, a Ufob (Universidade Federal do Oeste da Bahia) precisa de R$ 200 milhões para realizar todas as obras urgentes de infraestrutura. Neste ano, o repasse do governo foi de R$ 1, assim como na UnB.

A universidade foi criada em 2013, por desmembramento da UFBA (Universidade Federal da Bahia), e ainda não possui todas as suas instalações físicas planejadas, mesma situação relatada por outras instituições mais novas.

A reportagem procurou mais de 50 instituições de todo o país. Todas as que responderam relataram necessidades estruturais e problemas financeiros. Muitas, em razão da greve, não atenderam aos contatos.

Em resposta aos problemas apresentados, o MEC (Ministério da Educação) disse que, no início de 2023, as universidades tiveram seu orçamento ampliado em quase 30%.

Já neste ano, continua a pasta, foram totalizados créditos suplementares para a recomposição orçamentária no valor de R$ 347 milhões, sendo R$ 242 milhões para as universidades e R$ 105 milhões para os institutos.

"Recentemente, em 10 de junho de 2024, o Governo Federal anunciou nova ampliação do orçamento, na ordem de R$ 279,3 milhões para as universidades federais", segue, em nota.

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