Como sabemos, o artigo 227 da nossa Constituição estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem seus direitos, com absoluta prioridade. Em caso de incêndio, adultos devem resgatá-los primeiro, como frisei na última coluna.
Para dar vida a essa prioridade no orçamento público, é preciso fazer algumas reflexões.
É natural imaginar que a garantia dos direitos dos mais idosos custe mais do que a da juventude. É esperado, por exemplo, que o cuidado com a saúde dos mais velhos demande mais verba e que, por isso, a alocação de recursos do orçamento público seja maior. Isso não significa que crianças e jovens não sejam priorizados, é só uma tentativa de equiparar os diferentes custos de vida de cada uma das populações.
A difícil decisão que a sociedade brasileira precisa fazer é: para cada real gasto no cuidado com a juventude, quanto deveríamos gastar no cuidado com a população mais velha?
Na busca de norteadores para melhor responder a essa pergunta, a alocação feita em outros países pode ser elucidativa.
Diferentes países destinaram à população com mais de 60 anos, em média, o dobro do que alocaram com a população de 0 a 19 anos em 2010. As transferências públicas consideram educação, saúde, pensões e outros benefícios, de acordo com o Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe).
O Japão, por exemplo, é um país que culturalmente entende a maior idade como sinônimo de sabedoria e tem tradição de cuidar bem e de reverenciar os idosos. Para cada recurso gasto com a juventude de lá, 2,2 são gastos com os mais velhos.
A média mundial aloca o dobro de recursos que o Brasil na população mais jovem. O país destoa bastante de outros países em relação à razão entre o benefício público destinado aos mais idosos e aos mais jovens. Somos o único país que destina mais de 6 vezes o orçamento dos mais jovens para os mais velhos.
Mesmo na América Latina, a razão média entre os benefícios é 3. O segundo colocado neste ranking aloca 4 vezes mais recursos. Como país, decidimos fazer uma alocação 3 vezes maior do que a mundial e o dobro da alocação de países latinos em prol dos mais idosos e em detrimento dos mais jovens.
A consequência dessa decisão é que hoje a pobreza é 7 vezes maior entre a população com até 15 anos em comparação com a população mais velha. Entre as pessoas de 0 a 15 anos, 35% estão entre as mais pobres; na população com mais de 60 anos, 5% está entre as mais pobres. O resultado dessa alocação orçamentária é a concentração da pobreza na população com menos de 15 anos.
Esse retrato nos leva a algumas reflexões: nós, adultos, estamos cuidando devidamente das crianças e dos jovens? Se perguntássemos a eles, aprovariam nossas decisões?
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