Em Cuba, as escolas enchem as paredes com retratos de Fidel Castro e Che Guevara, e as crianças entoam canções de idolatria a essas figuras. No Brasil militar, os alunos marchavam, cantavam o hino nacional e estudavam a cartilha do regime nas aulas de educação moral e cívica. Está aí a outra faceta da censura em governos autoritários. Além de vetar o que não lhes interessa, impõe que se dissemine o que lhes convém.
Bolsonaro nos últimos dias demonstrou apreço por essa ambivalência. Após a suspensão de um edital de financiamento para filmes com temática LGBT, o presidente declarou a jornalistas na porta do Palácio da Alvorada que só lhes daria entrevista se publicassem reportagens sobre o fato de Merval Pereira e outros jornalistas da Globo terem realizado palestras remuneradas por empresas e outras instituições privadas.
A chantagem lembra o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), da ditadura Vargas. Criado em 1939, o órgão somava a estratégia de propagar uma imagem positiva do governo à função de proibir conteúdos considerados desfavoráveis.
Na ditadura militar brasileira, a censura também fez uso dessa via dupla. Ao mesmo tempo em que elaborava listas dos assuntos proibidos, tornava a divulgação de outros obrigatória. Foi o que aconteceu, por exemplo, com os vídeos exibidos por emissoras de televisão nos quais jovens participantes da luta armada, depois de serem presos e torturados, se diziam arrependidos das ações de oposição e exaltavam o regime.
Em meio ao saudosismo do Brasil de hoje por essas práticas, o Escola sem Partido, que defende um controle do que é ensinado pelos professores, não poderia mesmo ter sido descartado pelo governo que ajudou a eleger. Após seu fundador, Miguel Nagib, ter ameaçado encerrar suas atividades a partir de 1º de agosto por falta de apoio, a gestão Bolsonaro, com a participação direta do ministro da Educação, Abraham Weintraub, se mobilizou, e o dinheiro apareceu.
Nas redes sociais, postagem oficial do movimento anunciou que “os recursos materiais” haviam sido obtidos com empresários “tocados pela providência divina” para que o Escola sem Partido pudesse “prosseguir e avançar em sua luta contra a doutrinação, a propaganda e o assédio ideológico, político e partidário nas escolas e universidades”, um “câncer” contra a democracia.
Turbinado, o movimento está em atividade frenética desde então, denunciando o que chama de “sequestro das mentes” dos alunos pela esquerda, com vídeos que mostram aulas e outras atividades dentro de escolas. Um evento sobre política na ESPM, a Escola Superior de Propaganda e Marketing, de São Paulo, foi criticado pela presença, entre outros, de Ana Estela Haddad, professora da USP e mulher de Fernando Haddad.
Entretanto, esse ímpeto por exercer um “filtro”, como os censores gostam de chamar a censura, não se incomodou com o fato de um material didático elaborado pela gestão de João Doria ter reproduzido um texto publicitário do governo paulista sobre segurança no trânsito, em um exercício de língua portuguesa, conforme reportagem desta Folha. O governador de São Paulo, aliás, é defensor do Escola sem Partido.
Vista grossa à parte, por ora os defensores do controle às escolas pregam que se proíba o que é “inadequado”. O passo seguinte, na lógica do DIP de Vargas herdada pela atual gestão do país, é obrigar que se ensine o “adequado”. E, assim, as escolas sob Bolsonaro poderão seguir um caminho que as aproxima, por exemplo, das cubanas. Porque a censura, afinal, é algo democraticamente disseminado à esquerda e à direita, visto que o seu objetivo não é outro senão a manutenção do poder, seja de quem for o retrato pendurado nas paredes das salas de aulas.
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