Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Descrição de chapéu Coronavírus

Mariana, a garota que tinha ansiedade e agora ajuda crianças e jovens deprimidos

Projetos de adolescentes seguiram firmes apesar das dificuldades da pandemia, dando um norte àqueles que os criaram e a todos os que neles se envolveram

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Ela mora em Conceição do Almeida, uma cidade da Bahia com pouco mais de 17 mil habitantes. Aos 14 anos, enfrentava problemas de ansiedade e se assustou ao saber de crianças e jovens conhecidos que estavam se cortando e que tentaram o suicídio. Foi quando começou a fazer ioga e meditação e, sentindo-se melhor, decidiu levantar a bandeira de que as escolas precisavam ajudar os alunos a cuidar da saúde mental.

Mariana Nunes Santos Gomes entrou no Parlamento Jovem Brasileiro, em que estudantes ajudam a elaborar projetos de lei, e propôs que escolas tivessem de adotar práticas e terapias voltadas à saúde mental. Em fevereiro do ano passado, tinha apenas 17 anos quando fundou uma rede de voluntários para oferecer apoio psicológico e palestras a professores, alunos e seus familiares, a Autoestima-se.

Com a pandemia, viu explodir a procura por ajuda e, confinada em sua casa, passou a ter contato remoto com jovens que estão vivendo histórias pesadas de sofrimento com o isolamento social, como a violência doméstica e a sexual, depressão, ansiedade, síndrome do pânico e pensamentos suicidas. Para encaminhar cada caso, Mariana conta com psicólogos e estudantes de psicologia, além de uma rede de diferentes instituições e projetos parceiros. Sua iniciativa ganhou reconhecimento de ONGs internacionais e, neste ano, Mariana entrou para a seleta lista de Jovens Transformadores da Ashoka, uma organização mundial de empreendedores sociais.

A baiana Mariana Nunes Santos Gomes, que aos 17 anos criou o projeto de apoio à saúde mental Autoestima-se e foi escolhida para a rede Jovens Transformadores, da ONG internacional de empreendedores sociais Ashoka - Divulgação

Há outros 14 nomes entre os selecionados no Brasil, entre crianças e adolescentes. Clara Dourado, 12, de Irecê (BA), desenvolveu casinhas de madeira para serem colocadas em praças com livros para emprestar ou doar para crianças. Maria Clara Lacerda dos Santos, 13, de Itabira (MG), após sofrer bullying, criou um projeto de rodas de conversas com alunos vítimas de violência nas escolas. Beatriz Diniz de Ribeiro, 19, do Rio de Janeiro, depois de enfrentar o machismo em um colégio militar, lançou um clube para debater o feminismo. Marcelo Natal Borges de Jesus Filho, 17, de Aparecida do Rio Doce (GO), mobiliza mutirões para o plantio de árvores. E por aí seguem as histórias de meninos e meninas que conseguem mobilizar a comunidade.

São todos projetos que seguiram firmes apesar das dificuldades da pandemia, dando um norte àqueles que os criaram e a todos os que neles se envolveram. Mariana, por exemplo, apesar da proximidade com situações tristes de quem precisa de tratamento psicológico, diz que a sensação de fazer algo por outras pessoas a “leva para frente” e a ajuda a tratar de sua própria saúde mental. “É difícil passar por tudo isso que estamos passando, ver o Brasil colapsando”, diz. “Mas, ao me envolver no apoio a outras pessoas, consigo olhar para o futuro e pensar no que posso fazer por ele. É um jeito acreditar que nada é permanente e que há luz no fim do túnel.”

O pediatra e psicólogo Eduardo Goldenstein, do Departamento de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo, diz que, após um ano de pandemia e com o novo fechamento das escolas, as crianças estão tristes e atordoadas. O atordoamento, ele explica, vem da falta de parâmetros, da impossibilidade de se prometer e cumprir algo. Ele lembra do aclamado discurso em que o primeiro-ministro inglês Winston Churchill, disse, na Segunda Guerra Mundial, que não tinha nada a oferecer a não ser sangue, trabalho, lágrimas e suor. “Pelo menos já se sabia o que enfrentar. Agora, nem isso conseguimos. Não há nenhuma perspectiva, e por isso estamos todos com medo. Não podemos prometer às crianças nem escola nem encontro com amigos, nada.”

Mas o médico persiste no otimismo e, para isso, também volta à Segunda Guerra, mas para citar o francês Boris Cyrulnik, que, quando criança, teve a família assassinada em um campo de concentração nazista. A partir de sua experiência traumática, tornou-se pedagogo, psiquiatra e estudioso da resiliência na infância. “Ele acredita que, por maior que seja o trauma, as crianças vão superá-lo se encontrarem uma rede de apoio.” Além de colo, no sentido literal ou figurado, Goldenstein recomenda música, arte, atividade física e a manutenção de uma rotina, sempre e apesar de tudo.

E, neste pior momento, quando tudo parece desabar, um projeto pode ter impacto positivo na saúde mental de crianças, jovens e de toda a família. Pode-se pensar em ações mais ambiciosas, como as dos Jovens Transformadores, ou em algo simples e pessoal, quem sabe pintar o quarto ou começar uma coleção. O essencial é olhar para frente, como nos ensina Mariana, e jamais desistir do mantra de que vai passar.

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