Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.
Paulistanos dão a vizinhos 'presente' de R$ 750 milhões
Rubens Cavallari - 29.ago.2014/Folhapress | ||
Ônibus intermunicipal no terminal Sacomã, na zona sul de São Paulo |
A cidade de São Paulo tem 12 milhões de habitantes. Metade deles se desloca diariamente em ônibus municipais. Além desses 6 milhões, os coletivos locais conduzem outros 2 milhões de passageiros da região metropolitana de São Paulo.
Para dar conta de transportar a cada dia um número de pessoas igual à soma dos habitantes do Rio de Janeiro e de Curitiba, a cidade tem 15 mil ônibus, operando em 1.300 linhas, que percorrem 80 milhões de km/mês (2.000 voltas ao mundo).
Em 2017, o custo dessa estrutura será de R$ 8 bilhões. Do total, os passageiros, que pagam R$ 3,80 por viagem, cobrem apenas R$ 5 bilhões (62%). Outros R$ 3 bilhões (38%) são pagos pela prefeitura, que usa dinheiro da arrecadação com IPTU, ISS e IPVA dos paulistanos.
Se o custo do sistema fosse repassado inteiramente, a tarifa do Bilhete Único seria de R$ 6,10. Para mantê-la sem aumentar o subsídio, a prefeitura tem que buscar outras receitas. Duas são mais gritantes.
A primeira é reveladora do descaso com que o Brasil trata sua galinha dos ovos de ouro. A União cobra de todos os consumidores de combustível do país um imposto (Cide) que deveria servir para diminuir os efeitos da poluição. De cada cinco carros brasileiros, um é da capital paulista. Não há nada que reduza mais a poluição do que o transporte público. Mas o governo federal suga o sangue paulistano como um vampiro e não devolve nada para os coletivos da cidade.
O então prefeito Kassab propôs repassar parte do Cide para as capitais reduzirem tarifas. O governo Lula fez ouvidos moucos. Depois, Fernando Haddad levou a ideia a Dilma Rousseff. Mesmo sendo do mesmo partido, a presidente tratou a sugestão como imprópria (como ele contou em artigo na revista Piauí).
Doria precisa exigir que Temer adote a medida em nome da justiça tributária e da importância do transporte público.
A segunda questão mostra como as cidades vizinhas também se acostumaram a montar no lombo dos paulistanos. Volte aos números: diariamente, 2 milhões de passageiros (25%) vêm de fora da capital. Como a tarifa é parcialmente coberta pela prefeitura, esses vizinhos ganham dos paulistanos um presente de R$ 2,30 por viagem com Bilhete Único.
Essa transferência involuntária corresponde a R$ 750 milhões em 2017. Ouvidos pela coluna, técnicos da SPTrans apontam um número menor: 1,6 milhão, ou 20%. Ainda assim, um subsídio de R$ 600 milhões.
Para a capital reduzir esse repasse, o desconto na tarifa deveria ser exclusivo de quem tem residência em São Paulo; quem vem de fora pagaria uma passagem mais cara.
Uma alternativa poderia ser as outras prefeituras subsidiarem seus moradores quando vêm a São Paulo. Isso pode ser feito com o uso do bilhete Bom, que vigora em outras cidades da região. Ou, melhor ainda, o governo estadual poderia usar impostos que arrecada na Grande São Paulo para harmonizar custos e tarifas. Mas nestes dois casos é preciso haver uma autoridade metropolitana de transportes, que outras cidades têm recusado; talvez exatamente porque revelaria a disparidade entre as várias tarifas.
O subsídio ao Bilhete Único melhora a distribuição de renda, a mobilidade urbana e o controle de poluição. Ele não pode ser um "bode na sala". E nem é justo que os moradores da capital paguem por um benefício a seus vizinhos.
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