Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Descrição de chapéu Governo Trump

Julgamento ou acobertamento? Impeachment de Trump é histórico e frágil

Líder do Senado age de forma a enfraquecer o processo e favorecer o presidente

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Só três presidentes americanos sofreram impeachment, e os dois primeiros, Andrew Johnson e Bill Clinton, separados por 130 anos, continuaram no cargo. 

O mesmo destino aguarda Donald Trump, mas sua impunidade por abuso de poder no cargo não tem rival na história americana.

O julgamento do impeachment de Donald Trump no Senado começou com a pompa prevista na Constituição. O presidente da Suprema Corte, John Roberts, preside sobre os procedimentos, enquanto tem menos poder do que senadores e dificilmente usaria a função para forçar a inclusão de provas em oposição à maioria republicana. 

Mitch McConnell, líder da maioria republicana no Senado - Mandel Ngan - 14.jan.2020/AFP

Mas o esperado odor de ilegitimidade patrocinada pelo líder da maioria republicana, Mitch McConnell, ficou claro na segunda-feira (20) à noite.

McConnell havia prometido usar o impeachment de Bill Clinton como referência. Em cima da hora, divulgou regras para o julgamento que nada tinham a ver a ver com o acordo que marcou o julgamento de Clinton. 

Em 1998, o voto dos senadores sobre as regras do julgamento de Clinton foi bipartidário, por 100 votos a 0.

E vale notar que o crime de Clinton foi mentir sobre sexo consensual. O impeachment de Trump é o primeiro da história que envolve segurança nacional —um presidente pressionando um país aliado, em guerra, e adiando ilegalmente ajuda militar, já aprovada pelo Congresso, para obter investigação sobre seu adversário eleitoral Joe Biden.

O impeachment de Donald Trump, aprovado pela Câmara, será, para sempre, uma mancha na biografia do empresário da indústria imobiliária de Nova York. Mas, ao contrário do impeachment de Richard Nixon, que renunciou antes do voto inevitável, terá consequência menor sobre a presidência mais corrupta da história recente dos Estados Unidos.

Na véspera da abertura do julgamento, uma pesquisa de opinião da rede CNN mostrou que 51%  dos americanos são a favor de que Trump seja removido do cargo pelo impeachment, com 45% contra. 

Quase sete em dez americanos (69%) querem que o Senado ouça novas testemunhas que não depuseram nas audiências da Câmara.

Esses números não comovem o presidente do Senado, Mitch McConnell. Ele é o homem que teve a audácia de negar a Barack Obama o direito de nomear um juiz para a vaga aberta na Suprema Corte com a morte de Antonin Scalia, quase um ano antes do fim de seu mandato, sob a alegação inconstitucional de que Obama não tinha mandato legítimo para escolher um juiz para a Corte num ano eleitoral. 

É o líder político que disse, em 2010, que sua missão não era legislar e sim tornar Obama o presidente de um mandato só.

O único argumento que comove McConnell é a ameaça de perder a maioria republicana no Senado. E ele deu provas do temor ao voltar atrás, às pressas, depois da pressão de senadores enfrentando batalhas de reeleição, em algumas da regras draconianas que escolheu para tornar o julgamento do impeachment um processo tão rebaixado quanto pedir um hambúrguer na fila de um drive-in da rede McDonald’s. 

Ao contrário da pressão política que convenceu Richard Nixon a renunciar, em 1974, o processo de impeachment de Donald Trump parece beneficiar o ocupante da Casa Branca no estilo de “o que não mata, engorda.” Não importa o quanto os democratas apresentem ao público as provas de abuso de poder e corrupção, os americanos que apoiam o presidente —44% pela última pesquisa do Instituto Gallup— não vão mudar de ideia.

O país não compartilha mais uma realidade coletiva. Há a bolha da Fox News, a rede de cabo com maior audiência, que funciona como uma TV estatal e cobre o país com uma mistura de propaganda trumpista e vitimização da população branca. E há o resto da mídia que o presidente e sua bolha acusam de “fake news.” 

A tática proposta pelo ex-assessor da Casa Branca Steve Bannon, guru do filhote presidencial brasileiro, de “inundar a zona com merda” para combater fatos, tem se mostrado vitoriosa. A exaustão com a quantidade de merda no ventilador de notícias é evidente.

O impeachment de Donald Trump é, ao mesmo tempo, histórico e impotente para mudar o presente. É possível que o esforço republicano para abafar os fatos tenha alguma consequência nas urnas em novembro. 

Mas o eleitor que os democratas precisam convencer —seis milhões de eleitores de Obama votaram em Trump, em 2016— não está acompanhando o drama do impeachment, está mais preocupado com seu seguro de saúde.

O histórico e consequente ataque às instituições democráticas dos Estados Unidos, nos últimos três anos, é real e, ao mesmo tempo, uma realidade nebulosa para a maioria que se encaixa na classificação de “eleitores de baixa informação.” 

Não é uma definição desairosa. A maioria dos eleitores americanos não vive sob o domínio da política, a não ser quando é hora de votar. A democracia americana, como qualquer outra, depende mais da noção compartilhada de uma vida cívica que não é garantida por leis, mas por uma cultura.

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