Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães
Descrição de chapéu Governo Biden aborto

Nos EUA, defender o aborto ajuda a ganhar eleição

Direita sequestrou slogan 'pró-vida', mas maioria no país não é pró-morte; é a favor de saúde e liberdade

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A cena aparece já nos primeiros quatro segundos do vídeo de lançamento da campanha de Joe Biden à reeleição. Mostra o cartaz erguido por uma mulher na frente da Suprema Corte, com a frase "aborto é assistência médica", seguido da imagem do presidente dizendo "liberdade."

Os marqueteiros do primeiro católico genuinamente devoto a ocupar a Casa Branca —o outro foi o frequentador de surubas John Kennedy– fizeram o que devia ter sido feito há anos: conferir humanidade ao direito que a direita teocrata transformou em tabu. Aborto não é apenas assistência médica. É proteção à infância, proteção à família, além, claro, de ser o direito da mulher de controlar o próprio corpo.

Manifestantes em defesa do direito ao aborto protestam em Los Angeles, nos EUA
Manifestantes em defesa do direito ao aborto protestam em Los Angeles, nos EUA - Apu Gomes - 15.abr.23/AFP

Foi um democrata em campanha de reeleição que ajudou a unir a militância gay nos EUA. Bill Clinton assinou o odioso Ato de Defesa do Casamento, em 1996, que definia a união civil como apenas entre um homem e uma mulher. O movimento gay se organizou politicamente durante a epidemia da Aids, nos anos 1980, e montou uma estratégia crucial para chegar à vitória histórica na Suprema Corte, em 2015.

A luta pelo casamento entre pessoas do mesmo sexo passou a ser definida como uma luta por acesso a benefícios, estabilidade de famílias, decisões médicas e proteção dos filhos dessas uniões. Sem o sucesso da mensagem, dificilmente um presidente democrata eleito fazendo oposição ao casamento gay teria tido coragem de sair do armário para confessar que era a favor. O nome dele é Barack Obama.

Biden não é a favor do aborto. Mas ele também é contra a morte de mulheres em gravidez de risco, contra forçar crianças e mulheres adultas estupradas a dar à luz e contra o fascismo religioso da minoria usando os mecanismos dos três Poderes para subjugar a maioria da população.

O Partido Republicano escolheu ser encurralado por radicais e ruma para a campanha presidencial de 2024 defendendo um extremismo antiaborto, enquanto a vasta maioria dos eleitores republicanos defende a legalidade do procedimento em casos de estupro, incesto e risco à saúde. Na população em geral, 6 em 10 americanos apoiam o aborto legal na maior parte dos casos.

Quando governava a Califórnia, em 1967, Ronald Reagan, santo padroeiro do conservadorismo da segunda metade do século 20, assinou uma das leis de aborto mais liberais do período, cinco anos antes de a Suprema Corte legalizar o aborto, por meio do caso Roe vs. Wade, até o retrocesso de junho de 2022.

Lideranças nos EUA e no Brasil repetiram o erro de tratar o aborto como tema radioativo que só inviabiliza eleições. A única mulher a governar o Brasil não pensou duas vezes antes de prometer ao corrupto lobby evangélico, em 2010, que não defenderia esse direito conquistado por mulheres em tantos países.

Mas com a evolução das pesquisas nos EUA, os eleitores começaram a ouvir novas perguntas. A resposta para "você defende o aborto?", que costumava provocar racha na opinião pública, revelou-se diferente da resposta para "você acha que o governo deve ter o poder de tornar o aborto um crime?". Neste caso, a defesa da descriminalização do aborto atrai maiorias de até 75%.

A direita americana, que prefere ver grávidas mortas ou meninas estupradas por parentes criando filhos do incesto, sequestrou o slogan "pró-vida". Mas a maioria não é pró-morte. É a favor da saúde e da liberdade.

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