Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Descrição de chapéu internet

Biden enfrenta monopólio do Google, monstro criado com a cumplicidade dos democratas

Domínio das big techs é um raro tema que atravessa diferenças partidárias na polarização de Washington

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O Google foi acusado, num tribunal em Washington, de gastar US$ 10 bilhões por ano num suposto suborno a corporações como a Apple para esmagar a concorrência na tecnologia de buscas em celulares, tablets e navegadores —um mercado hoje 90% dominado pela empresa. O mais importante julgamento da era da internet começou ontem, numa ação antitruste conjunta movida pelo governo federal com 38 estados e territórios americanos.

Logotipo do Google com fontes em azul, sob um fundo preto
Logotipo do Google em seu estande antes da reunião anual do Fórum Econômico Mundial (WEF) em Davos, em 22 de maio de 2022 - Fabrice Coffrini - 22.mai.22/AFP

Quando o Google ainda estava na infância, Larry Page, cofundador do site de buscas com Sergei Brin, acompanhou uma repórter numa visita à sede da empresa na Califórnia. Ela ficou intrigada com uma grande sala, repleta de televisões ligadas, semelhante a uma loja de eletrônicos. Page explicou: "estamos gravando tudo." "Tudo o quê?", perguntou Kara Swisher, hoje a mais influente jornalista de tecnologia dos EUA.

"Tudo o que vai ao ar," informou o bilionário, com a soberba característica da sua geração de larápios digitais, argumentando que, usando o sistema de legendas ocultas, ia dar aos internautas a chance de fazer buscas na programação.

Swisher retrucou que o Google não era proprietário daquele conteúdo e ele não podia fazer aquilo sem pedir permissão. "Claro que posso," respondeu Page, e Swisher disse que torcia para ele ser processado.

"Nunca vou me esquecer daquele momento," comentou Swisher, numa entrevista nesta semana, em que compartilhou uma opinião comum entre os que se preocupam com a concentração obscena de poder das grandes techs, a de que o julgamento do Google começa com pelo menos uma década de atraso. O monopólio das grandes techs é um raro tema que atravessa diferenças partidárias na polarização de Washington. Mas o caminho que nos trouxe ao presente distópico foi pavimentado com ajuda do único dos dois partidos que hoje defende a democracia plena, o Partido Democrata.

Em janeiro de 2013, Barack Obama tinha acabado de ser reeleito e podia comprar brigas indigestas, já que não ia concorrer mais nem a síndico de prédio. Mas ele tomou a decisão de não enfrentar o monopólio do Google, a quem devo a quase extinção do meu ofício como fonte de sustento, com a destruição do mercado publicitário na imprensa.

Obama, que tinha alergia ao corpo a corpo da política na capital, gostava da convivência social entre gente como Eric Schmidt, o então CEO do Google. Em 2011, membros da Comissão Federal de Comércio nomeados por Obama começaram a investigar indícios de práticas desonestas do Google para impedir a emergência de sites de busca concorrentes. Documentos revelados há dois anos mostram como a Presidência do democrata desperdiçou a chance de mudar o curso da história da indústria digital, então com uma reputação ainda relativamente benigna entre o público.

O poder de empresas como Google, Apple e Amazon só cresceu exponencialmente com a longa hibernação na pandemia de Covid. Não se discute que as techs tornaram o longo inverno do vírus mais tolerável para consumir, comer e se divertir em confinamento.

É impossível prever as chances de sucesso do governo neste julgamento que deve se arrastar por longos meses. Mas, sob a intensa pressão e a perplexidade provocadas pelo salto dado pela tecnologia de inteligência artificial, até uma vitória que possa forçar uma correção de curso entre os glutões do Vale do Silício, parece um caso de muito pouco e tarde demais.

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