Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Luciana Coelho

Novo show de ator de 'Borat' abusa de credulidade e expõe ignorância geral

Em 'Who is America?', humorista dá conta da promessa de ridicularizar todo um país dividido

O ex-vice-presidente Dick Cheney com Erran Morad (Sacha Baron Cohen) em ‘Who Is America?’ -  Showtime via Associated Press
 

Há momentos reveladores em "Who Is America?", minissérie satírica do humorista britânico Sacha Baron Cohen (o Borat). Embora se pretenda revelar ali os EUA de Donald Trump, o que temos exposto é um retrato perene e universal da ignorância humana.

Não que não surjam idiossincrasias norte-americanas —seja de progressistas ou de eleitores do republicano. Afinal, está ali a tara por armas e o racismo com mexicanos e muçulmanos, tema recorrente de Cohen (um judeu, aliás).

Mas o desfile de preconceitos, egocentrismo e prepotência diz mais do momento em que vivemos, no qual todos se julgam detentores de alguma verdade absoluta e não se intimidam em bradá-la por aí.

Romper superegos alheios (a instância da psique que nos barra de fazer coisas que achamos não serem bem aceitas) é o maior truque de Cohen, que usa seus personagens inconvenientes para provocar de anônimos ao ex-vice-presidente Dick Cheney (2001-09).

Essa tarefa, que o humorista já empreendera nos anos Bush (2001-09) com Borat e com o rapper Ali G, fica simples nos EUA de Trump, onde direita e esquerda se sentem no direito de destilar preconceito sob o lastro de opinião. Algo, aliás, que não difere do Brasil em campanha presidencial.

É assim que, na pele do especialista antiterrorismo Erran Morad, o melhor dos personagens apresentados, que ele leva políticos e lobistas a atuar em um vídeo para uma campanha de armamento de crianças a partir dos 4 anos.

Para tanto, Morad apenas adula os entrevistados, já engajados na campanha pró-armas, e relata um falso programa similar de Israel para lustrar a proposta de pseudocredibilidade. É o suficiente se tudo se ecoa e nada se checa.

Logo temos um vídeo infantil em que armas são mimetizadas a bichos de pelúcia e promete-se que crianças bem treinadas poderão barrar "homens maus" que entrem atirando em sua escola, cena algo recorrente nos EUA.

Para provocar esquerdistas, Cohen prefere se travestir de blogueiro conservador e importuná-los com supostas verdades ditas por Trump, até que irrompam em impropérios elitistas. Embora seu alvo preferencial sejam os conservadores, o humorista dá conta de sua promessa de ridicularizar todo um país dividido.

Insiste também no desnudamento da ignorância, como no esquete no qual uma subcelebridade que esteve em Serra Leoa visitando vítimas do ebola pede doações para armar crianças-soldado (algo que Ali G e Borat, o repórter do misterioso Cazaquistão, já haviam feito antes, mas que não deixa de incomodar).

Os programas são curtos (sete episódios de cerca de 27 minutos), mas excruciantes. Dos já exibidos, o mais dolorido é o que trata da construção de uma mesquita em uma cidadezinha do Arizona.

É difícil acreditar que os entrevistados desconhecessem a real intenção do humorista, embora ele insista que sim. Se aceitarmos o jogo, mais do que humor ou ativismo, vale o espelho que Cohen aponta para o pior em todos nós.

‘Who Is America?’, da Showtime, pode ser visto em clipes em www.sho.com

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