Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Luciana Coelho

'O Método Kominsky' traz autor de 'Big Bang Theory' a terreno árido da velhice

Sutil na abordagem e feroz nas piadas, série constrói com precisão e delicadeza um retrato do medo de envelhecer

Alan Arkin (à esq.) e Michael Douglas como os amigos Norman e Sandy em ‘O Método Kominsky’  - Mike Yarish/Netflix

De início é difícil acreditar que a cabeça por trás de "O Método Kominsky" seja a de Chuck Lorre, a mesma que criou bobagens anacrônicas como "Two and a Half Men", mais conhecida por terminar em briga entre o showrunner e Charlie Sheen, e sucessos confortáveis como a longeva "The Big Bang Theory".

Há, afinal, sensibilidade e delicadeza demais no roteiro, no elenco, nas interpretações e no tema (a forma como as relações nos ancoram e sustentam no final da vida).

Mas esta segunda incursão de Lorre, um dos mais bem sucedidos showrunners da TV aberta americana, na plataforma de streaming (a primeira foi a fraca "Desenrolados") não exclui a testosterona característica de seu humor, ainda que a sirva com uma roupagem mais sofisticada.

Os astros desta dramédia são o septuagenário Sandy (Michael Douglas), um ator que trocou o palco pela tarefa de ensinar aspirantes o tal método do título e o octogenário Norman (Alan Arkin), relações públicas prestigiado.

A escalação do par central é a tacada genial de Lorre, que assim garante que seus diálogos às vezes rasteiros mas quase sempre divertidos ganhem graça e humanidade.

Douglas, que não fazia um protagonista desde o discreto "Fora de Alcance" (2014), abraça seus 74 anos com uma leveza comovente, ruga por ruga.

Para o espectador, é chocante e revigorante constatar seu envelhecimento (e impossível não se lembrar de seu pai, Kirk, que nesta semana completa profícuos 102 anos).

Para um ator que se tornou conhecido por declarar sua compulsão por sexo e interpretar galãs assediados por Glenn Close ("Atração Fatal"), Demi Moore ("Assédio Sexual") e Sharon Stone ("Instinto Selvagem"), chegar a termos com a idade é libertador.

Sandy Kominsky, um divorciado com filha adulta (a ótima Sarah Baker, de "Louie") que só na velhice começa a enxergar suas fragilidades, rende sua melhor performance desde "Um Dia de Fúria" (1993). Quem diria, em 52 anos de carreira, que Douglas podia ser tão doce e engraçado? Quem tornaria uma cena de exame de próstata com Danny DeVitto boa e nada apelativa?

O centro magnético da série, contudo, é Alan Arkin ("O Que é Isso Companheiro").

Construído em cima do estereótipo do rabugento judeu cheio de humor autodepreciativo, seu Norman é de uma humanidade tocante. Suas frases, em volta da viuvez recente ou da filha dependente química, são de uma mordacidade estarrecedora.

Nancy Travis (a mocinha de "Três Solteirões e um Bebê") está bem como a sessentona objeto do afeto de Sandy, e o timing perfeito de Baker completa o ácido quarteto central.

Sutil na abordagem e feroz nas piadas, "O Método Kominsky" constrói com precisão e delicadeza um retrato do medo de envelhecer.

Talvez o apelo maior da série em oito episódios seja àqueles que já veem a idade (ou a meia-idade) acenar, mas gerações mais novas encontrarão no texto de Lorre e na generosidade da atuação de Arkin e Douglas um guia amigável e cativante.

A primeira temporada de “O Método Kominsky” está disponível na Netflix

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