Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Na temporada final, é hora de 'Silicon Valley' ser reverenciada

Série do mesmo criador de 'Beavis e Butthead' satiriza como nenhuma a cultura de nossos tempos

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“Silicon Valley” nunca recebeu a exaltação de “Fleabag” nem a pilha de prêmios de “Veep”. Tampouco cultivou tantos devotos como “Beavis e Butthead”, a outra obra memorável do roteirista Mike Judge, ou deixou o repertório de referências pop de “The Office” e “The Big Bang Theory”.

Agora que a série estreia sua sexta e última temporada, porém, é hora de dar a Richard, Jared, Dinesh e Gilfoyle seu devido lugar no panteão pop ao lado das demais.

Claro, “Silicon Valley” tem, numa impressão ligeira, características que não se adequam à tal da “nova TV” —na ultradiversa Netflix, seu elenco principal integralmente masculino (a Monica de Amanda Crew sempre foi secundária) e majoritariamente branco, à exceção de Dinesh (Kumail Nanjiani, que decolou com a série e o filme “Doentes de Amor”, de 2017), não perseveraria. 

Mas a perversão de regras e preceitos politicamente corretos, bem dosada, é o maior instrumento da crítica social e do sarcasmo de Judge desde os idiotizados “Beavis e Butthead” nos anos 1990 e 2000.
Com sua misoginia caricata e exclusão explícita de gente que não seja branca ou, às vezes, asiática, a série ridiculariza o império da testosterona e dos bem-nascidos no Vale do Silício e na indústria tech em geral.

Em “Silicon Valley”, contudo, não cabem louros à trupe, nem mesmo à sua genialidade como codificadores e criadores de tecnologia. 

O Richard de Thomas Middleditch, um personagem excepcionalmente bem construído, demonstra transtornos sociais graves; o Jared de Zach Woods, seu contraponto, vive em um mundo asséptico e estéril em experiências, e a dupla Dinesh e Gilfoyle (Martin Starr, um dos comediantes egressos da seminal “Freaks and Geeks”, que em 2019 faz 20 anos) nunca amadureceu. 

Outros personagens que orbitam o grupo, exceto pela bem intencionada Monica, são apenas aproveitadores.

Essa crítica ganha volume nesta temporada final, como deixa claro a cena, no episódio de estreia, em que Richard depõe no Congresso americano e declama uma série contundente de acusações e críticas ao Facebook e a outros gigantes tech, defendendo uma internet descentralizada (esta, aliás, o coração de seu próprio negócio, a Pied Pipper, que de uma desajeitada start-up de garagem na primeira temporada passa a cobiçada empresa de compressão de dados).

É o melhor de Mike Judge, cujo sarcasmo com a sociedade americana rendeu também a animação “O Rei do Pedaço” e os filmes “Como Enlouquecer Seu Chefe” (1999) e “Idiocracia” (2006) —este, aliás, altamente recomendável para nossos tempos ao mostrar um mundo onde a tolice triunfa.

Muito da graça dos diálogos se ampara na inépcia social dos personagens, que contrasta com sua suposta genialidade, especialmente Richard —o canadense Middleditch, com seu olhar perdido e seu porte displicente, deu ao personagem um carisma inesperado. Mas a crítica também está ali.

Quando a Pied Pipper apagar as luzes, no fim do ano, teremos saudade de um retrato tão preciso desses tempos.

“Silicon Valley” vai ao ar na HBO, na virada de domingo para segunda 

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