Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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'Pico da Neblina' escancara Brasil maconheiro em diálogos geniais

Na viagem dos roteiristas, estamos em um país onde o tráfico perde mercado para empreendedores

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De repente a maconha está em todo lugar, de discurso presidencial à pregação de um padre em São Paulo, parando na intenção da Anvisa, a agência que regula o setor farmacêutico, de liberar o plantio de cannabis para fim medicinal. Daí para o Brasil aprovar e regulamentar o comércio da erva, por ora, só mesmo na ficção. 

É desse ponto hoje insondável que parte “Pico da Neblina”, série de dez episódios da HBO que estreou dia 28.

Na viagem dos roteiristas Chico Mattoso, Cauê Laratta, Marcelo Starobinas e Mariana Trench, que tem Quico Meirelles como diretor, estamos em um país onde o tráfico perde mercado para empresários e “empreendedores” que aplicam o dinheiro dos pais em lojas de maconha gourmetizada.

Os dois episódios exibidos até agora, centrados na passagem do anti-herói, Biriba (o excelente Luís Navarro), da confortável contravenção à incipiente legalidade, foram suficientes para viciar. 

Vendedor habilidoso, Biriba fala pausadamente, se veste com esmero e consegue distribuir seu estoque de forma eficaz a uma clientela que passa longe das bocas. Quer, assim, evitar o destino do pai, que perdeu para o crime. 

Sua contraparte é Salim (Henrique Santana), cuja única ambição é galgar os escalões da facção criminosa que domina São Paulo —até que a mulher engravida.

Sim, há algo de “Cidade de Deus” na câmera de Meirelles, que chega a dividir a direção de parte dos episódios com o pai, Fernando. A contraposição entre vontade e determinismo social está lá, bem como a ruptura entre amigos de uma infância difícil. O elenco afinado e superlativo é outro propulsor da série.
O registro, porém, se adequa bem ao tom de série dramática-cômica, com cenas tensas costurando uma bela sátira social. Nesse ponto, pesa a diferença de algo que Mattoso e a equipe de roteiristas fazem de forma genial: diálogos.

A fluidez e a verdade com que as frases saem de Biriba, Salim e dos demais é tamanha que o espectador, aprove ou não o tema de fundo de “Pico da Neblina”, não consegue não se sentir envolvido. 
Do elenco de apoio afiado, sobressai o perdido Vini, terceiro vértice da história.

O personagem coube a Daniel Furlan, colunista da Folha e integrante do programa “Choque de Cultura”, cujo timing cômico torna perdoável qualquer excesso na caracterização do cara que quer mudar o mundo mas vive às custas do pai. É Vini que se torna sócio de Biriba na nova vida e acaba por fazê-lo confrontar sua identidade.

Definir “Pico da Neblina” como série sobre maconha, como tantas nos Estados Unidos, é reduzi-la, ainda que seja este o tema que permita tratar de forma realista discrepâncias sociais, pobreza, violência, promiscuidade entre crime e ordem e ausência do Estado. 

A crítica social é arguta, e o tom cuidadosamente leve e sincero adotado faz de “Pico” uma história sobre amadurecimento e entrada na vida adulta, definição de identidade e busca de rumo. Não só do personagem, aliás. Fala-se, aqui, também do Brasil.

‘Pico da Neblina’ vai ao ar aos domingos, às 21h, na HBO, e está na HBO Go

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