Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Vergonha, culpa e ansiedade influenciadas pela moral dos guerreiros

Emoções podem ser freios da violência

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O amor pela aprovação e o medo da infâmia são o substrato das interações sociais. Nós humanos, motivados por esses sentimentos, construímos complexas interações interpessoais, cooperamos e nos preocupamos com outras pessoas, desenvolvemos o belo e o justo.

Porém não há animal tão feroz como nós, temos imensa capacidade destrutiva. Firmamos-nos como seres dominantes pela agressão. As sociedades surgiram sobre espólios de luta. A dualidade agressividade/sociabilidade persiste, está ao nosso lado e, claro, dentro de nós.

Para que nossa violência não tenha vazão incontrolável e, assim, não matemos uns aos outros, desenvolvemos leis e freios morais. Antes dessas estratégias sociais, também operam contenções biológicas de nossa agressividade. Uma dessas travas é o sublime sentimento de empatia. Mas a empatia nem sempre é estimulada como idealmente deveria ser, então as emoções vergonha, culpa e ansiedade se tornam freios emocionais de violência mais ativas.

Essas três são consideradas emoções negativas, por nos fazerem sentir miseráveis e tristes. Paradoxalmente criam humor que predispõe à violência. Mesmo assim contribuíram para a preservação de nossa espécie e foram mantidas ao longo da evolução.

Culpa é julgar a si, em desaprovação. Vergonha é considerar que o outro julga mal. Ansiedade é o sentimento antecipatório, que às vezes causa evasão.

Todas essas emoções tendem a bloquear uma determinada ação, podendo assim impedir uma agressão. Outra desvantagem: quando essas emoções são exageradas, são importantes causas de sofrimento psíquico e, obviamente, estão presentes em várias doenças mentais.

O transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) é um exemplo de condição psiquiátrica que embute grande amargura, é marcante por causar uma lista de vários sintomas como: recordações indesejadas do evento traumatizante, pesadelos, irritabilidade e perda de interesse em viver.

Dois soldados sombreados correm em colina; próximo a eles, galhos sem folhas; ao fundo. o céu e nuvens
Soldados americanos no Afeganistão - Kim Jae-Hwan/AFP

Foi previamente considerado como distúrbio exclusivo das (muitas) pessoas que enfrentaram risco real de morrerem. Porém há uma nova dimensão desta desventura. O TEPT acomete alguns soldados que concluíram missões letais a quilômetros de campos de batalhas, enquanto operavam drones.

Isso indica que o TEPT pode surgir a partir de um conflito mental, repleto de culpa, vergonha e ansiedade, uma chaga moral. Há uma dúvida: o TEPT surge por uma resposta biológica universal corrompida ou é uma síndrome cultural específica de certas sociedades?

Para responder a essa questão, pesquisadores da universidade do Arizona examinaram como regras sociais divergentes influenciam traumas após batalhas. Eles revelaram que soldados-pastores de Turcana, condado de Quênia, têm alta prevalência de TEPT. Neles, porém, os sintomas depressivos estão menos presentes, diferente do que ocorre com os soldados americanos. Manifestações depressivas são preditas por violação moral, enquanto outros sintomas do TEPT têm maior relação com a experiência de combate, atestam os acadêmicos.

Uma hipótese para essas disparidades seria que combatentes da pequena localidade defendem diretamente suas comunidades e, após a batalha, retornam à vida social ao lado de outros guerreiros. Soldados de nações populosas batalham frequentemente por causas distantes das suas comunidades. Fora do conflito, retornam ao convívio com outras pessoas alheias aos movimentos bélicos.

Suporte empático aos soldados pode reduzir risco de TEPT. Um mundo mais empático pode prescindir de vergonha, culpa e ansiedade como freios para conflitos de qualquer espécie.


Breggin, Peter R. “The Biological Evolution of Guilt, Shame and Anxiety: A New Theory of Negative Legacy Emotions”. Medical Hypotheses 85, no 1 (1o de julho de 2015): 17–24. https://doi.org/10.1016/j.mehy.2015.03.015.

Darwin, Charles. The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex. The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex. Princeton University Press, 2008. https://doi.org/10.1515/9781400820061.

Zefferman, Matthew R., e Sarah Mathew. “An Evolutionary Theory of Moral Injury with Insight from Turkana Warriors”. Evolution and Human Behavior, Beyond Weird, 41, no 5: 341–53. https://doi.org/10.1016/j.evolhumbehav.2020.07.003.

Zefferman, Matthew R., e Sarah Mathew. “Combat Stress in a Small-Scale Society Suggests Divergent Evolutionary Roots for Posttraumatic Stress Disorder Symptoms”. Proceedings of the National Academy of Sciences 118, no 15 (13 de abril de 2021): e2020430118. https://doi.org/10.1073/pnas.2020430118.

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