Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Interface cérebro-máquina, Zuckerberg, Ellon Musk e a disputa para transformar ficção em realidade

Eletrodos captam a atividade elétrica dos neurônios, e algoritmos produzidos por inteligência artificial a decodificam para produzir uma ação robótica

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Há décadas aparelhos instalados dentro do crânio melhoram funções biológicas para amenizar algumas condições clínicas como, por exemplo, a doença de Parkinson e certas epilepsias. Também já há algum tempo implantes eletrônicos trazem a audição para pessoas com específicas causas de surdez. Estes aparatos são os pioneiros das interfaces cérebro-máquina utilizados pela medicina. Mas há novos rumos que fogem, como veremos, da medicina tradicional. Graças a este campo emergente, um indivíduo incapaz de falar ou de se mover tem a chance, com suporte mecânico, de se comunicar ou de se movimentar. Nestes casos, eletrodos captam a atividade elétrica dos neurônios, e algoritmos produzidos por inteligência artificial a decodificam para produzir uma ação robótica. Como síntese, um indivíduo controla máquinas com o pensamento. Entretanto, estes dispositivos ainda não são produzidos em escala industrial e devem ser aperfeiçoados.

O país que dominar esta ciência garantirá uma posição privilegiada. A China corre e investe pesado. Como reflexo, suas publicações sobre este tema crescem em relevância e em números. No entanto, os maiores avanços e as perspectivas mais visionárias partem dos EUA. Mark Zuckerberg, o americano proprietário do Facebook, planeja lançar uma interface cérebro-máquina que tornará possível a comunicação por meio da mente. De acordo com os planos do bilionário, sensores sobre a pele detectarão as espiculas e as ondas elétricas neurais para que sejam transformados em palavras. Pessoas com deficiências poderão se expressar adequadamente.

Simulação de um implante cerebral
Simulação de um implante cerebral - Adobe Stock

É árdua a tarefa de ler o cérebro, uma missão suscetível a muitas interferências. Um comando mental, quer seja para falar, quer seja para mexer um membro, é um conjunto de sinais elétricos, produzidos em concomitância com outros tantos, com ou sem propósitos. O cérebro está sempre atarefado, exercendo sua rotina, em processos conscientes e inconscientes. Portanto, para interpretar uma ordem mental específica, é necessário haver um filtro preciso que despreze ruídos, mas não perca vontades pertinentes, mas eventualmente sutis. Outro obstáculo, o cérebro é plástico, isto quer dizer mutável. Desta forma, a atividade mental empregada para produzir um movimento, aperfeiçoa-se e será diferente do que fora na semana passada. Quando alguém descobre que há mais tipos de laranja do que lima ou pera os sinais elétricos para a palavra "laranja" mudam. E se transformarão novamente quando este mesmo alguém aprender que "laranja" também designa um sujeito envolvido em práticas desonestas. Logo, uma interface cérebro-máquina eficaz terá que se recalibrar automaticamente e considerar que um eletrodo pode mudar de posição e captar os sinais de forma diferente.

Até o momento não existe um aparelho capaz de reproduzir a fala precisamente a partir de eletrodos sobre a pele. Mas quando os sensores são colocados em contato direto com os neurônios a tarefa anda. Neste caso, as barreiras constituídas por pele, ossos e membranas são superadas, e o sinal é captado mais claro, mais intenso. A desvantagem é que a implantação requer cirurgia, sempre com riscos imediatos e tardios. Sensores intracranianos foram locados em humanos quando havia mais um propósito bem estabelecido, não apenas fazer um experimento para uma máquina realizar uma vontade, mas o monitoramento invasivo de epilepsias. Os dispositivos não são permanentes e nem reimplantáveis.

Eis então o bilionário Elon Musk. Após sacrificar 1.500 macacos em testes, ele conseguiu a aprovação da agência regulatória americana para usar chips intracranianos em humanos. Meses depois, Musk anunciou que a sua empresa, a Neuralink, implantou pela primeira vez sua interface cérebro-computador em uma pessoa, esta foi projetada para registrar pensamentos relacionados ao movimento. O empreendedor tem intenção comercial, quer vender um dia este chip ou algum de seus derivados. E sua estratégia surpreende por ser invasiva, algo que destoa da maioria das startups que sequer atravessam o couro cabeludo.

O objetivo final de Musk faz Zuckerberg parecer um despretensioso qualquer. O dono da Neuralink ambiciona obter o melhor sinal cerebral, o mais rico e puro, para compreender todo o funcionamento neurológico. Para isso ele aporta muito dinheiro, um sonho monetário intangível para as universidades mundo afora. O bilionário quer construir um mundo em que a interface cérebro-computador torne indistinguível o cérebro humano da inteligência artificial. As aspirações futuras da empresa incluem telepatia, aprimoramento das habilidades sensoriais e motoras e imortalidade digital. A experiência de jogos pode também ficar muito imersiva.

Será que um dia a aplicação da interface cérebro-máquina traduzirá pensamentos humanos em fala, mas sem perder os requintes da entonação, ritmo e sotaque? A imaginação poderá ser reproduzida precisamente para imagens, textos ou qualquer tipo de objeto? Poderemos extrair a essência do ego de uma pessoa e transferi-la para um software? Conseguiremos entender a consciência e o que existe antes dela, o pensamento e a pré-cognição? Os recursos eletrônicos mudarão como competimos ou cooperamos com nossos pares, e a aquisição da melhor ou pior tecnologia determinará o sucesso ou fracasso, não somente profissional, mas pessoal? Como ficará a privacidade em um universo em que máquinas acessarão informações biológicas, intangíveis para o raciocínio humano? Ou será que apenas falamos de um factoide, e a mente continuará como um grande mistério?

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