Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Descrição de chapéu Folhajus senado

Democracia cartorial

O desafio é remover os monstrengos políticos que governam Brasil e EUA

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Com a eleição presidencial norte-americana acontece um momento (raro) de ufanismo institucional no Brasil. O país devastado pela pandemia e pela vileza da Presidência de Jair Bolsonaro, dissemina-se um sentimento patrioteiro, como se a democracia brasileira, por conta da urna eletrônica e da Justiça Eleitoral, fosse um produto de exportação, como a bossa nova ou a moqueca.

Não deve existir nação imune ao descompasso civilizatório, mas a história recente demonstra que Estados Unidos e Brasil são capazes de eleger monstrengos, difíceis de serem removidos, o que revela a falibilidade dos sistemas.

Trump e Bolsonaro não têm capacidade moral de governar. Carregam suspeitas de crimes comuns e de responsabilidade. Os dois presidentes conspiram contra a democracia e atacam instituições para desacreditar o futuro.

Com bandeiras ao fundo, Bolsonaro fala gesticulando com a mão esquerda
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) - Lucio Tavora/Xinhua

Donald Trump venceu em 2016 e, sem apresentar provas (como agora), declarou-se vítima de fraude eleitoral decorrente do voto pelo correio, desenvolvido para estimular o eleitor (lá o voto é facultativo), preparando terreno para a contestação do resultado em 2020.

Jair Bolsonaro venceu em 2018 e, sem apresentar provas, declarou-se vítima de fraude eleitoral decorrente da utilização das urnas eletrônicas, desenvolvidas para facilitar as apurações, preparando terreno para contestar resultados em 2022.

Na América, militares não se metem na política, mas no Brasil, de tradição golpista, Bolsonaro contará com a adesão entusiasmada de oficiais corrompidos pela estupidez do capitão reformado e pela distribuição de cargos e jetons.

O sistema eleitoral dos EUA não é essencialmente caótico como tem sido propagado, ainda que a escolha indireta do presidente seja capaz de gerar distorções e estranhamento: Hillary perdeu em 2016 tendo quase 3 milhões de votos a mais do que Trump.

Mas a judicialização do processo nos EUA é só eventual. Não há atos de censura. Tudo pode ser dito. Os estados têm autonomia para legislar. A escolha do presidente se dá pela somatória dos regramentos locais, cada qual com regime próprio de certificação dos resultados.

As eleições norte-americanas são marcadas também por vigoroso processo de consultas populares nos estados (democracia direta) sobre temas diversos, como uso recreativo de drogas, aborto e motoristas de aplicativo. Em 2020, foram 120 referendos, o que também explica a ausência de cédula única.

No Brasil, o voto é obrigatório e o sistema eleitoral é contencioso e burocrático, com a Justiça Eleitoral, aparentemente imparcial, interferindo em tudo.

Para combater abuso de poder político e econômico, o ano de eleições se converte em período de exceção, com drástica supressão de liberdades.

É proibido “empregar meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais”. É proibido “showmício”. É proibido distribuir bonés, chaveiros e camisetas. É proibida propaganda que “provoque animosidade” contra as Forças Armadas ou que “possa degradar ou ridicularizar candidatos” ou que ofenda “órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública”. São vedadas “montagens, trucagens, computação gráfica, desenhos animados e efeitos especiais”.

Conteúdos da internet são removidos. Há censura e inibição do direito de crítica. No dia da votação só é permitida a “manifestação individual e silenciosa” do eleitor —sob pena de prisão.

A democracia é cartorial.

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