Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Descrição de chapéu Folhajus

Inocentes presos

Racismo é traço comum do erro judiciário e da letalidade policial

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O erro judiciário é inevitável (quanto mais sofisticados são os meios de prova, mais sofisticados serão os equívocos de julgamento), mas a falibilidade da Justiça brasileira tem a circunstância agravante da insensibilidade, da falta de inteligência e do racismo.

O Código de Processo Penal estabelece um rito para o reconhecimento de suspeitos. A pessoa que vai fazer o reconhecimento deve, antes de tudo, descrever a pessoa a ser reconhecida. A pessoa a ser reconhecida deve ser colocada ao lado de outras que com ela tiverem semelhanças.

A regra é simples, mas é corrompida sob o olhar patético e tolerante de juízes e promotores absolutamente descompromissados com a busca da verdade real.

O que era para ser um dever policial se converte em “recomendação”. Um meio de prova que deveria ser recebido com extrema cautela —o reconhecimento de pessoas promove desacertos por confusões de memória, injunções psicológicas e indução oficial— é praticado de forma leviana e temerária.

A série de reportagens Inocentes Presos, publicada na Folha nas últimas semanas, contabiliza cem casos de prisão injusta, espalhados por quase todo o país. É uma amostra constrangedora da falência moral e tecnológica do sistema judiciário.

Trabalho jornalístico de fôlego, cada vez mais raro, um ano de pesquisa, os repórteres colhem depoimentos e descobrem os efeitos de falhas procedimentais, omissões kafkianas, “investigações a jato”, falsidades, abusos de poder e ilicitudes capazes de, silenciosamente, interromper a vida de pessoas comuns e invariavelmente pobres.

O levantamento inclui a soltura de 42 pessoas reconhecidas por vítimas ou testemunhas como sendo autores de crimes que não praticaram e de 25 pessoas mal identificadas por agentes policiais, entre outros casos de falso testemunho, prova ilícita e injustiça.

São pequenas tragédias: gente inocente que permanece por dias, meses ou anos no sistema prisional por incompetência e desídia de policiais, promotores e magistrados.

A humilhação é infinita e a reparação impossível: é o que se depreende da narrativa do ajudante-geral levado de Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo, para a Bahia, onde a sua inocência seria decretada depois de mil dias de prisão injustificável.

A explicação do vendedor ambulante, vítima de reconhecimento errôneo, revela a anatomia simplória do abuso policial: “Aí estava eu e mais quatro caras brancos. Você está procurando um negro, o único cara negro lá. Os outros lá mais claros que eu. E vai falar que é quem?”.

Há um traço comum entre erro judiciário e letalidade policial, outra aberração da segurança pública no Brasil: o racismo.

Dos cem inocentes presos identificados pela série da Folha, 60 são negros.

A polícia do Rio de Janeiro quando age em Ipanema não costuma agir como bandoleiros, atirando a esmo e invadindo residências. Estima-se que cerca de 80% dos mortos em operações policiais nas favelas cariocas são negros. A maioria das mulheres e crianças inocentes atingidas por balas perdidas, como Kathlen Romeu, na última terça-feira (15), são negras.

Negros são tratados pelo sistema policial e judicial brasileiro como pessoas inferiores, perigosas e suspeitas. A palavra acusatória sempre prevalece.

Bolsonaro exacerba a barbárie ao trabalhar pela impunidade do policial assassino e corrompido e conspirar contra mecanismos de controle das forças de segurança.

lfcarvalhofilho@uol.com.br

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