O Supremo Tribunal Federal tem blindado Jair Bolsonaro no curso da pandemia.
Pelo menos quatro processos foram distribuídos ao ministro Marco Aurélio por acontecimentos de março de 2020, quando o presidente promoveu as primeiras aglomerações e minimizou a gravidade da doença, dando início à escalada negacionista do governo brasileiro.
Classificadas como Pet (de petição), as ações movidas por políticos descrevem a prática de crimes comuns pelo chefe de Estado.
Marco Aurélio se aposenta em julho e o sucessor, que possivelmente herdará este acervo de processos, pelo princípio da prevenção, será homem de Bolsonaro.
A primeira decisão conveniente ao presidente da República foi publicada em 15 de abril do ano passado (Pet 8.740). O ministro declara ser “impossível mapear a cadeia de contágio de modo a encontrar o responsável pelo início da disseminação” e diz que os comportamentos a ele atribuídos não se enquadram no crime de causar epidemia “mediante a propagação de germes patogênicos” (artigo 267 do Código Penal).
Para Marco Aurélio, crime só se configuraria se, infectado, Bolsonaro saísse por aí transmitindo dolosamente o vírus para terceiras pessoas. O Código Penal, aparentemente, não protege o país de governantes insanos em matéria de saúde pública: agravar a pandemia é permitido.
Sem entrar no mérito da questão, a Primeira Turma do STF manteve o despacho em novembro de 2020: “é irrecorrível a decisão judicial que, acolhendo parecer do Ministério Público no sentido de que não há elementos mínimos de prova de ocorrência dos crimes noticiados, determina arquivamento de notícia-crime”.
Decisões idênticas seriam adotadas na Pet 8.749 e na Pet 8.755, sobre o pronunciamento presidencial que definiu a Covid-19 como “gripezinha” e sobre o desrespeito às regras de isolamento social. Transitaram em julgado, tornando-se definitivas, em fevereiro de 2021.
A Pet 8.744, também sobre a tal “gripezinha”, seria aditada em virtude de ações e omissões posteriores de Bolsonaro e aguarda manifestação da Procuradoria da República. O enredo deve se repetir: alguém acusa, o Ministério Público fraqueja e o juiz arquiva.
Além de infringir determinações do poder público destinadas a impedir a propagação da doença (como promover aglomerações e não usar máscara) —conduta punida com detenção de um mês a um ano de prisão— e de incentivar o uso de medicação sabidamente ineficaz, como um poderoso charlatão o faria, Jair Bolsonaro atrasou a campanha de imunização.
O depoimento do diretor do Instituto Butantan na CPI é devastador. Prova que Jair Bolsonaro é causador de uma parcela relevante da mortandade, estimada em milhares de vidas.
Os crimes são também de responsabilidade, mas o presidente da Câmara dos Deputados, homem de Jair Bolsonaro, não abrirá processo de impeachment, independentemente do teor do relatório da CPI.
Como o procurador-geral da República também é homem de Bolsonaro, que já conta com precedentes favoráveis do STF, nenhuma investigação será instaurada para valer, independentemente das evidências recolhidas pela Comissão Parlamentar de Inquérito.
O cenário previsível é de radicalização política crescente. A punição criminal de Jair Bolsonaro depende da sua derrota em 2022.
Despidos de valores morais, o presidente e os filhos milicianos sabem que a prisão é parte do horizonte e farão qualquer coisa para permanecerem no poder.
lfcarvalhofilho@uol.com.br
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.