Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho
Descrição de chapéu Folhajus aborto

Série norte-americana 'Jury Duty' mostra o lado trivial da Justiça

Somos julgados por pessoas comuns, geralmente sem virtudes excepcionais

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Somos julgados por homens e mulheres comuns que, normalmente, não são dotados de virtudes excepcionais.

Julgadores podem ser cultos ou ignorantes, sábios ou cretinos, preconceituosos (ainda que disfarçados) ou tolerantes, suspeitos ou independentes, distraídos ou atentos, preguiçosos ou esforçados, dóceis ou autoritários, honestos ou corruptos, sejam eles aprovados por concurso público, no caso dos juízes profissionais, que decidem a imensa maioria dos conflitos que chegam ao Judiciário, sejam eles "pessoas iguais" a réus e vítimas, escolhidos por sorteio no caso dos jurados, que, no Brasil, só deliberam em processos envolvendo crimes dolosos contra a vida.

Há juízes que se sentem emissários de Deus, como os pastores picaretas que cada vez mais povoam as televisões, os parlamentos e os governos.

A palavra "juizite" foi cunhada para definir doença funcional e pandêmica de magistrados que se deixam afetar pela soberba e pelo sentimento de superioridade.

Um antigo desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo dizia não temer a perspectiva do erro judiciário em caso de pena de morte, que defendia com entusiasmo, porque, se o réu é inocente do crime pelo qual está sendo julgado e mesmo assim é condenado, ele tem culpa em outro delito que permaneceu oculto ao longo do tempo. Deus sabe o que faz e realiza a Justiça.

O Estado é laico, porém um crucifixo cafona ainda ornamenta o plenário do STF, onde historicamente prevalece a supremacia branca, masculina e reacionária: julgará, entre tantas causas envolvendo a diversidade humana, se a mulher deve ser punida por aborto.

Antigamente, os julgamentos eram resultado de desafios. Para a aferição da culpa, o réu era submetido a provas divinas, como atravessar uma passarela de brasas: vencido o perigoso obstáculo, a inocência se proclamava.

Aos poucos, foram introduzidos nos códigos critérios objetivos para o julgamento de suspeitos e para a solução de conflitos: indícios, regras, presunções, proporcionalidades, equidistâncias, testemunhas, confissões (ainda que obtidas sob tortura), perícias etc.

Apesar das garantias, não é seguro (nunca foi) ingressar como parte no temerário recinto dos tribunais. Não à toa, disseminou-se o entendimento de que "mais vale um mau acordo do que uma boa demanda".

Recursos financeiros e amizades influentes são capazes de determinar, aqui e ali, o desfecho da causa, o desequilíbrio da balança.

Divertida e inusitada, a série "Jury Duty" (disponível no Prime Video, no Brasil traduzida como "Na Mira do Júri"), direção de Jake Szymanski (2023), mistura ficção, documentário e reality show.

O conflito cível em disputa na Califórnia, EUA, é despido de qualquer grandeza institucional ou interesse político.

Jury Duty
Imagem promocional de 'Jury Duty', série exibida pelo Amazon Prime Video no Brasil - Divulgação

O espectador sabe, desde o início, que o julgamento é fake e que apenas um dos jurados, gentil, não é ator. Mas assiste, perplexo, ao desfile de "pessoas iguais", responsáveis pelo veredicto, diante do magistrado exaurido, da policial vigilante e do réu imprevisível: a menina biruta, contra tudo, a fervorosa ativista, a dorminhoca, o rapaz ingênuo que se declara racista para não ser jurado, a celebridade marota, imigrantes com formação cultural tão diversa, estranhos no ninho, o nerd que inventa e cultua bagulhos bizarros e inúteis.

O sistema de Justiça, sempre associado ao fantasma kafkiano, assombra também pelo que tem de trivial, esquisito, prosaico.

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