Luiz Horta

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Luiz Horta

Vinhos cultuados atualmente mostram união entre tradição e praticidade

Antigamente, o processo de produção não era uma opção, mas a única forma de fazê-lo

Taças de vinho naturais e orgânicos na Sede 261, em Pinheiros
Taças de vinho naturais e orgânicos na Sede 261, em Pinheiros - Rafael Roncato/Folhapress

Com toda a história do casamento real acontecendo em Londres, foi bom pensar sobre a palavra tradição. Não vou escrever sobre a monarquia britânica, mas deixo uma indicação de livro antes de entrar no meu assunto de vinhos e comida.

Para quem quiser esmiuçar a “milenar” corte inglesa, recomendo “A invenção da tradição” de David Cannadine. O historiador mostra que tudo, do protocolo ao parlamento londrino, com aquela cara de catedral medieval, foi criado no século 19. Tradição pode ser só uma decisão de estabelecer certos ritos para justificar práticas.

É isso que explica os vinhos que estão sendo cultuados agora, inclusive por mim, orgânicos, biôs, naturais. Quando se fala em método ancestral, claro, é realmente a volta de um modo de fazer do jeito antigo. Mas com as nossas possibilidades atuais. Explico melhor: os antigos faziam como podiam, não era uma opção, mas era o que tinham.

Um vinhateiro de hoje que escolhe interferir o menos possível no processo de elaboração do vinho toma uma decisão. Ele não está constrangido pela ausência de tecnologia. Parece pouco, mas é uma enorme diferença. Hoje, o uso de ânforas voltou, por exemplo, mas com controle de temperatura na sala.

O sujeito colhe suas uvas, leva para a cantina (a palavra é estranha porque faz pensar em lugar de comer, mas é como se chama em português o local em que se produz vinhos) e aí começa a pensar nas suas opções: uso as cascas durante a fermentação? Deixo tudo agir sozinho ou coloco leveduras? Uso carvalho ou aço inox? Por mais que se queira, a natureza não faz vinhos, só fornece o produto que vai produzi-los. A presença humana é indispensável.

Às vezes, sinto um desconforto em relação ao ódio pelo ser humano que os movimentos mais radicais de conservação da natureza sentem. Não adianta salvar o planeta sem nos salvar junto. Nem fazer vinhos para ninguém beber.

Depois das primeiras decisões sobre o que fazer com as uvas colhidas, o vinhateiro passa para os novos problemas: vou guardar e deixar um tempo em barricas de madeira ou engarrafo logo? Uso um pouco ou zero dióxido de enxofre (grande divisor de líquidos no caso dos naturais; o gás é colocado no final do engarrafamento para evitar que o vinho estrague, ou usado do principio ao fim da vinificação nos lugares de grande produção quase industrial)?

Vinho é uva e mais um monte de bifurcações em que não há GPS que ajude. É ali na hora, fazer ou não fazer.

Até eu fiquei cansado com essa coluna tão cabeça e fui comer um sanduíche de pastrami no Fôrno, outro divisor de opiniões. O do Z’Deli é melhor? Eu gostei muito do Fôrno. É mais gordo, liberado, intenso, a carne menos maturada, talvez menos autêntica, mas me pareceu mais gostoso. Compensou o gasto de neurônios para pensar sobre vinhos.

 

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