Luiz Horta

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Luiz Horta

Saiba como harmonizar sobremesas a vinhos pouco comuns no Brasil

Colunista foge do usual e combina doces com uvas húngaras

Tentei de tudo (dentro dos preceitos republicanos) para convencer o motoboy: eu queria provar o sorvete de jabuticaba da Sorveteria do Centro e não podia ir lá no dia. Ficamos numa troca de mensagens anedóticas, que publicaria aqui, se não fosse ridícula. “Eles não vendem para delivery”, argumentou ele. “Fala que é para você, que vai comer agora”, implorei. “Não vai colar, estou com uniforme da empresa e o baú de entrega.” Desesperei: “Pede para colocar num copinho mesmo, sem o cone”. “Não vendem”, ele foi taxativo.

Achei que não podia insistir mais, seria constrangedor, afinal, ele estava agindo como devia e eu não. Pedi dois hot porks, vi que eles —a Saiko e o motoboy— tinham razão. Ia chegar, naqueles dias quentes, um suco de fruta aqui, disforme e fora do padrão.

Então, demorei, sempre com o sorvete na cabeça, e fui ao centro no dia mais gelado do ano até agora. Gosto do centro de São Paulo cinza e frio. Foi como a cidade me recebeu pela primeira vez, três décadas atrás. E foi gostoso, provei o sorvete de brigadeiro (frio e sorvete combinam, sim, qual o problema?).

Aproveitei para dar uma passeada pelos locais favoritos, aquela entrada básica na Livraria Francesa, uma flanagem por ruas em que ainda se notam detalhes bonitos de arquitetura. Há um encanto no centro (na minha infância se dizia “ir à cidade”, quando era para o centro). Acabei chegando na parte mais histórica, ali pelos lados do Mosteiro de São Bento, ia comer pastéis de Belém na Casa Mathilde, mas entrei numa loja de doces portugueses que não conhecia, Maria Cristina Doces, bem na Álvares Penteado.

Esbugalhei os olhos. Pudim de claras, ovos moles, pastéis de nata, de feijão, toucinho do céu, toda aquela vastidão açucarada e gemada que faz meu DNA tremer de alegria. Não dava para mais nada depois dos sorvetes. Trouxe para casa e fui consumindo parcimoniosamente (em dois dias, comi tudo) um vidro de ovos moles, uma torta de mel e montes de docinhos.

O mais óbvio seria tomar porto ou madeira, ou moscatel de Sétubal com eles, mas estava experimentando uma linha de tokajis húngaros de bom preço e com eles foram. Falo dos vinhos abaixo.

Com esta descoberta, já aumentaram para uns seis lugares só de doces na região. Boa ideia é comer por ali e depois comprar a sobremesa noutra casa do bairro.

 

Bons vinhos e nomes complicados

Faz tempo que não bebo tokaji (é o vinho da região húngara de Tokaj). Vinhos são assim, esquecemos de 
algumas regiões, até que elas reaparecem e se tornam mania. Lembro de Hugh Johnson nas suas memórias, dizendo: “Toda vez que bebo um velho Porto, penso quantas vezes mais devia ter tomado Porto e me esqueci”. Assim são os vinhos doces da Hungria.

Provei alguns trazidos pela Evino, com excelente preço para este tipo de vinho. Não sei se fica chato explicar a botrytis, mas é um fungo que ataca as uvas e concentra o seu teor açucarado (perdoe o simplismo, mas o espaço para entrar em detalhes tomaria conta da coluna). Alguns dos grandes vinhos doces são botritizados, como os da região francesa de Sauternes, os do Burgenland austríaco, diversos alemães e alsacianos. Provei do mais caro, que é um 5 puttonyos (cada “puttonyo” equivale a 25 quilos de uva atacada pelo fungo), até um furmint meio-doce, o Varga Furmint (furmint é o nome da uva, o vinho me lembrou o Grandjó português que minhas tias adoravam e ficou delicioso com os doces).

Sugiro quatro. Quem quiser começar a entrar neste mundo misterioso dos vinhos doces botritizados pode 
escolher o Szamorodni, em que se misturam uvas com e sem fungos, onde a acidez equilibra a doçura. Cinco puttonyos é para depois.

O Hárslevelu é um colheita tardia, bastante saboroso também. Não se preocupe em se confundir, estou aqui revirando os olhos pelos nomes e não bebi hoje.

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