Luiz Horta

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Luiz Horta

Libanesa lança livro de culinária sobre o Islã

Livro é uma forma de desvincular a cultura milenar dos radicalismos religiosos

 
Gabriel Cabral/Folhapress
Kibe montado do restaurante Sainte Marie - Gabriel Cabral/Folhapress

Trocando umas ideias com minha amiga Anissa Helou, que está lançando um livro fundamental sobre a cozinha do Islã (veja abaixo), descobri uma coisa curiosa. Apesar de termos inúmeros restaurantes que chamamos de “comida árabe”, e também de estarem incorporados ao nosso menu brasileiro quibes, homus, pão sírio e charutinhos de uva, algumas receitas não são de restaurante, mas da casa das pessoas. E elas permaneceram aqui, passadas por gerações, nos cardápios.

Quer dizer, podemos comer pratos que alguém que mora, por exemplo, em Beirute, precisa pedir, por favor, à avó para fazer. 

Anissa Helou é uma pessoa de ótimo humor. Ri quando dizem que seu cabelo, sempre arrumado, é o da noiva de Frankenstein. Nasceu no Líbano, morou em Paris, em Londres e viaja sem parar, mas seu assunto é a comida árabe. É uma compulsiva usuária de internet, e falar com ela é um prazer: como pesquisadora de comida e autora de diversos livros, está sempre disponível para tirar dúvidas. Abusei do privilégio, perguntando sobre a comida de seu novo livro e como ela aparece na mesa brasileira.

Foi em Londres que a conheci, tinha uma casa que era um predinho de três andares, o último equipado com uma cozinha onde dava aulas e fazia jantares. Ela me apresentou a meu primeiro vinho libanês, o Château Musar, e era o rosé, que é um tesouro. 

Atualmente, mora na Sicília, para onde se mudou em busca de sol e paisagens naturais —e de menos confusão que em Londres. Sua mãe e familiares ainda moram em Beirute e, apesar de a família ser cristã não praticante, Anissa resolveu fazer este livro, que cobre o mundo islâmico, como uma forma de dizer que é preciso desvincular a cultura milenar dos radicalismos religiosos. Uma viagem por receitas do Paquistão à Síria, de países africanos como o Senegal à aculturação no mundo europeu e até a Indonésia.

Também foi uma maneira de homenagear lugares destroçados pela guerra na Síria: “Duvido que Aleppo volte ao que era, [houve] muita destruição. Mas continuará sendo a capital gastronômica do Oriente Médio. Salvar estas receitas e a herança culinária da linda cidade é uma maneira de preservar esta herança e nos lembrar do que ela foi outrora”.

Nas duas viagens que fez ao Brasil, provou, é claro, a nossa cozinha “árabe” (em que englobamos sírios, libaneses, armênios...) e me disse: “A comida árabe que experimentei no Brasil era boa, mas diferente. O ‘kibbeh’ é mais carnudo e menos delicado do que os a que estou acostumada”. Ela se referia ao fato de usarmos o trigo com o grão mais inteiro e de a carne moída ser perceptível. Divertiu-se com o protagonismo de salgadinho que adquiriu aqui, mesmo lugares que não têm nada de árabe servem quibes.

EM CASA

Anissa me recomendou a coisa que mais lhe surpreendeu no Brasil, encontrar shish barak, uma espécie de capelete libanês cozido em molho de iogurte com hortelã. 

“A massa servida no país é maior e mais grossa do que a feita por minha mãe, mas muito gostosa. Foi maravilhoso ver este prato num cardápio de restaurante.”

Depois dessa conversa, corri para o Rosima, na rua Pamplona, um dos meus “árabes” favoritos, com origem no Emporio Syrio de 1924 (aberto pelo patriarca da família) e fundado como restaurante por dona Rosalie Cury, em 1971. Pedi tudo, esfiha de zahtar, quibes, os charutinhos de uva que são meus prediletos e o chisbarak (como se escreve aqui o shish barak citado por Anissa Helou).

O livrão

Chama-se “Feast: Food of the Islamic World” (Banquete: a comida do mundo islâmico), tem 544 páginas e pesa 2,5 kg. Madame Helou, mãe de Anissa, reclamou um pouco. “Por que você escreveu um livro tão pesado e grande?” A filha respondeu que tem material para três volumes, escolheu só as receitas mais emblemáticas ou favoritas. Enquanto ninguém se anima a publicar a obra em português, pode ser comprada em inglês, no formato Kindle (R$ 79,22) ou capa dura (R$ 232,03), na amazon.com.br

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.