Luiza Duarte

Correspondente na Ásia, doutora em ciência política pela Universidade Sorbonne-Nouvelle e mestre em estudos de mídia pela Universidade Panthéon-Assas.

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Luiza Duarte

Um país e dois sistemas que colidem

A desobediência civil em Hong Kong faz governo suspender lei de extradição

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Era só uma questão de tempo. Uma grande faixa amarela estendida no último dia da ocupação do movimento dos guarda-chuvas dava o recado: “nós vamos voltar”.

Em 2014, milhares de jovens montaram tendas por quase três meses em torno da sede do governo de Hong Kong. O desfecho foi pacífico, mas as lideranças das manifestações pelo voto universal direto pagariam com prisões e exílios.

Eles voltaram e em peso —os protestos da última semana foram os maiores das últimas três décadas no território chinês.

Honcongueses saíram de casa contra o projeto de lei de extradição que autorizaria o envio de residentes para serem julgados pela opaca justiça chinesa.
 
A comunhão das ruas agora e ontem quer reafirmar a identidade singular de Hong Kong e a excepcionalidade do sistema em vigor na ex-colônia britânica.

Desta vez, a população venceu a batalha contra o governo, pelo menos por enquanto.

A mudança legislativa foi engavetada, ainda que Carrie Lam, a chefe do executivo local, não tenha renunciado. Mas mesmo o mais inocente dos manifestantes desconfia que outras tentativas de ampliar o controle sob o território virão.

Desafiar Pequim cobra um preço alto e a Constituição que garante 50 anos de autonomia, mesmo sendo parte da China —o acordo de “um país, dois sistemas”— enfrenta constante ameaça. 
 
No território, um cosmopolita centro financeiro, há mais liberdades que em outras cidades chinesas, o que sempre foi bom para os negócios, mas o governo de Xi Jinping tem reforçado o nacionalismo e uma visão única da identidade chinesa, desafiando a existência de minorias como na província de Xinjiang e no Tibete.

O destino de Hong Kong está na linha de frente do impressionante crescimento chinês, da China como potência. 

Na ilha e na Península de Kowloon, o mandarim é evitado e o cantonês é a língua que impera dentro e fora de casa. A nova ponte que liga ao continente ou a integração à rede chinesa de trens de alta velocidade, ambas inauguradas no ano passado, não foram suficientes.

A grande maioria dos mais de 7 milhões de habitantes se considera honconguesa e não chinesa. A identidade local é defendida com orgulho e o preconceito com os vizinhos da China continental é palpável.

A diferença une quem vive na cidade. Abrir mão dos direitos civis que distinguem Hong Kong de qualquer outra parte da China seria abandonar suas raízes.
 
A desobediência civil ganhou novo fôlego. Não foi a primeira vez que manifestantes e jornalistas foram alvo de gás lacrimogêneo e balas de borracha na cidade. O abuso policial, que em solo brasileiro é cotidiano e naturalizado, gerou indignação coletiva. Foi o óleo na fogueira das mobilizações de 2014 e nas dessa semana.
 
Mães fizeram um protesto separado para que a juventude não fosse criminalizada.

A ação das autoridades, em especial da polícia, foi duramente contestada, enquanto se fazia a defesa da independência e transparência do Judiciário.

Um conflito por liberdades que encontra eco em um mundo onde cada vez mais países estão na sombra de governos autoritários.

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