Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

Uma heroína comum

A favor dos confusos existe o espírito da época: Cuba é pura miséria gourmet

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Ilustração de Ricardo Cammarota para Pondé para 28.jan.2019.
Ilustração de Ricardo Cammarota para Pondé para 28.jan.2019. - Ricardo Cammarota

Hoje vamos falar de uma heroína comum. Mas, antes, uma referência de leitura. Roger Eatwell e Matthew Goodwin, em "National Populism --Revolt Against Liberal Democracy", de 2018, dizem que não devemos denunciar os novos populismos mas, sim, procurar entender o que as pessoas que votam neles querem.

Para os pesquisadores em fascismo, esses populistas nacionalistas não devem ser chamados de fascistas porque confunde nosso entendimento do fenômeno. Para eles, esses eleitores querem mais democracia e mais direta, e sentem que seus representantes vêm de uma elite rica, bem educada e cada vez mais alienada da realidade dessas pessoas comuns.

Ou seja, não são contra a democracia, como os fascistas eram, mas, sim, a favor de que a democracia amplie a sua base de representação para incluir a maioria da população. Mantenha isso na memória ao longo da sua leitura.

Eu estava conversando com jovens de uns 20 anos de idade. No centro, uma menina muito estudiosa que crescera numa das favelas em São Paulo (não entre as piores favelas paulistanas). Com muito esforço dela e dos pais, ela conseguiu estudar e escapar do destino de meninas e meninos numa favela. Qual é esse destino? Antes, quem eram os outros jovens?

Jovens de classe alta e média alta, educados com toda a segurança em escolas da zona oeste ou sul (a parte "boa") de São Paulo. O objeto do debate se deslocara para temas como liberdade de ação, desigualdade social, religião, socialismo. A coisa começou a pegar quando um dos meninos, muito articulado e viajado, começou a falar, em êxtase, que iria nas férias para Cuba estudar documentário. É engraçado o fetiche que muitos jovens têm com Cuba. Provavelmente, fruto do tédio com seu quarto seguro na casa dos pais.

Nossa heroína levantou a voz e perguntou a razão para ele, tão rico, querer ir para um lugar onde as pessoas vivem na miséria. Como é comum quando alguém se refere ao dado real de que as pessoas vivem na miséria em Cuba, esses jovens reagem de modo um tanto confuso, sem entender o que o interlocutor está dizendo, à semelhança de alguém que sempre acreditou na relação "cegonha-bebê".

A pessoa confusa pergunta, atabalhoadamente: "Como assim? As cegonhas não trazem os bebês?". Mas, a favor dessas pessoas confusas, existe o espírito da época: Cuba é pura miséria gourmet.

Voltemos ao destino nas favelas ao qual se referia a nossa heroína: meninos entram para o tráfico e meninas pegam uma barriga deles. Quanto mais poderoso e rico é o menino, mas elas disputam entre si pra ver quem vai engravidar dele primeiro. Estamos falando de meninos e meninas de 16 a 20 anos.

Quando indagada como ela escapou desse destino, que todas as suas amigas de "bairro" seguiram, a resposta é taxativa: "Meu pai morava em casa com a gente, e ele não me deixava sair com o pessoal do bairro". E por aí vai. O pai a levava para a escola e buscava todo dia. E prepare seu espírito para o "pior": eles eram evangélicos!

Sei, você entra em surto. Pensou mesmo em pular pela janela. Como assim? Evangélicos? O mundo não faz mesmo sentido! E você confessa: Estava começando a gostar dessa menina! Sua admiração para por aí. Evangélicos jamais passarão!

Já disse aqui que gente inteligente vomita quando ouve a palavra "evangélicos". Espiritismo afro até vai, porque é, justamente, afro, e afro é gourmet. Budismo light é o top para gente inteligente, bom-mocismo chique como forma de espiritualidade.

A verdade é que o que a menina disse é a pura verdade: faltam bons pais em casa. Mãe só não dá conta --ao contrário da novela da TV. Apesar do mimimi da crítica ao patriarcalismo, o problema não é o pai, mas a falta de um pai presente. "Mas que coisa mais antiga!", você diz. E, pior ainda, você me pergunta: Por acaso eu estaria dizendo que ser evangélico pode salvar vidas em certos ambientes? Sim, estou.

E mais. Você, provavelmente, levaria o maior cacete dessa menina, como os meninos riquinhos levaram. Quando se trata da vida real, não chame a elite que gosta de miséria gourmet.

PS.: Alguns leitores me pediram o link sobre masculinidade tradicional como comportamento tóxico. Para quem ainda não achou no Google, https://tinyurl.com/yb3go87s. E mais, vale a pena ler o artigo de Frank Furedi na revista Spiked, em que ele critica contundentemente e especificamente as mesmas guidelines: https://tinyurl.com/ydy8ylxl.

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