Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

Como Michelle Bolsonaro, com ideias machistas, pode faturar votos de mulheres?

Alguém tem que impedir a primeira-dama de avançar no eleitorado evangélico com suas ideias absurdas

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Quem tem medo da Michelle? De repente a esquerda descobriu que existem mulheres que não odeiam as famílias, os maridos e que ainda pensam em ter filhos. E que, ainda pior, acreditam que a vida seja atravessada por lutas espirituais que nos parecem —refiro-me aqui à população secular e descrente— coisa da pré-história. Quem ainda acredita numa luta do bem contra o mal?

Correm a mostrar estudos para alimentar a campanha de Lula a fim de que a esquerda aprenda o perdido vocabulário das pessoas que têm apenas a família para cuidar dos doentes e do dia a dia. A verdade é que a esquerda está acostumada a luxos básicos e descarta a família como valor.

A ilustração foi executada em técnica manual com lápis grafite sobre papel e, depois, scaneada e feita uma montagem digital. A imagem no formato horizontal mostra, ao centro, uma figura de mulher, branca, de cabelos lisos e curtos, repartido ao lado, usando brinco e anel de casamento, fazendo um gesto com as mãos em formato de coração. O rosto está em branco (sem olhos, nariz e boca) e, sobre ele, vários rabiscados de lápis, bem forte, em formato circular. A imagem da mulher está repetida 10 vezes, ao fundo, em marca d’água, em tamanhos diversos menores, todas com rosto branco
Ilustração publicada em 5 de setembro de 2022 - Ricardo Cammarota

São tantos os anos em que a academia tem demonizado a instituição família, acusando-a de patriarcal e opressora, repressiva da sexualidade feminina, que é difícil crer num discurso "progressista" que valorize a família a esta altura.

Desde Karl Marx (1818-1883) a intelligentsia acusa a figura do pai como representante da opressão. Eis um clássico e um clichê. Até hoje, a maioria dos trabalhos em ciências sociais sobre família continuam
nessa toada. O pai é sempre candidato a estuprador.

Mas mudemos o assunto, falemos de algo mais sexy, já que estamos em clima de eleições. Será que as feministas gozam mais do que as evangélicas? Alguma pesquisa nessa área? Será que a crença
no pecado ainda é um fetiche melhor do que conceitos como a biopolítica do "meu corpo, minhas regras"?

Agora que a eleição está chegando, a intelligentsia está começando a prestar atenção ao fenômeno social mais importante do país nas últimas décadas, a tomada do poder social pelos grupos evangélicos. O Brasil vive, séculos depois da Europa, a ameaça de uma guerra religiosa nas urnas.

Os seculares acostumados a ter seguro de saúde, psicanalista, clube, casa no litoral norte, hotel fazenda à mão para seu único filho e seus pets, restaurantes descolados e aulas na universidade onde discursos sobre o caráter regressivo da família são oferecidos aos jovens perdidos na maionese acordaram um dia depois de um pesadelo e se perguntaram: quem é essa Michelle?

Como pode uma evangélica com ideias machistas faturar votos entre mulheres? Alguém tem que impedir essa mulher de avançar no eleitorado evangélico com essas ideias absurdas! Mas, cuidado, lembrem que ela é evangélica raiz!

A operação da esquerda é medida pela régua de quanto se pode convencer uma evangélica a comprar o pacote feminista. Mas como fazer isso sem fazê-la aprender a achar que o marido dela é um estuprador potencial? A esquerda "defende" a família despedaçando-a em elementos vítimas e elementos culpados. Nunca é o conjunto. Parte-se do pressuposto de que toda família é doente, até que se prove o contrário. Talvez seja verdade, não?

Até dá para entrar em campo na disputa pelos corações evangélicos falando que a família é uma unidade de cuidado de idosos, mulheres e crianças e convencer esse povo de Jesus de que na falta de um Estado melhor a família pode até ser tolerada, mesmo sendo atavicamente indesejável pelos inteligentinhos.

Os protestantes quando se põem a trabalhar são uma peste, seja lá para o que for. Alguns acham que eles inventaram o capitalismo em larga escala, com essa tal de redenção intramundana que dá em acordar cedo, trabalhar para cacete e não gastar muito para não dar espaço para essa natureza humana depravada ganhar terreno dentro da sua alma.

Sabe-se que nas eleições vale tudo para ganhar. Vale um cara que se diz Deus e fala coisas que nada têm a ver com a conhecida teologia cristã do amor ao próximo como o Bolsonaro, e vale toda uma horda de seculares que despreza a fé dos evangélicos engatinhar na linguagem de Deus versus o Diabo para ganhar votos desses pobres diabos.

A dimensão circense da democracia abre nova temporada. Mas que os idiotas da direita não se animem —ruim com o circo, pior sem ele. Não há nenhum sistema de governo melhor do que a democracia.

Porém, voltando ao medo, já pensou se essa mina machista de Jesus sair para presidente em 2026? Imagina o estrago?

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