Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

Cristãos de esquerda tentam promover, durante a guerra, Natal antissemita

A possibilidade dos judeus se defenderem de ataques causa um incômodo nas universidades progressistas

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Sempre existiu no cristianismo aqueles que afirmavam que "os judeus mataram Cristo". Pois bem, essa forma de antissemitismo está de volta, carregado no colo pela esquerda, e não passará despercebida.

O pessimismo é um desafio num mundo à deriva como o nosso. Há um motivo para ele ser um desafio nesse Natal. O Natal antissemita está de volta. Aparentemente, esse fenômeno tinha sido deixado para trás pela teologia cristã. Graças a Deus.

Título: O Natal não pode ser antissemita. A ilustração figurativa de Ricardo Cammarota foi executada em técnica manual, com lápis de cor em tons verde, marrom e azul sobre tela branca, conferindo efeito de textura de lápis sobre a trama da tela. Na horizontal, proporção 17,5cm x 9,5cm, a imagem apresenta uma composição de detalhes de mãos sobrepostas em proporções e posições diferentes e, ao fundo, a imagem de um olho de criança assustado e chorando, com uma lágrima escorrendo.
Ricardo Cammarota/Folhapress

Mas os recentes eventos do conflito israelo-palestino trazem à luz o fato que persiste no fundo do poço de alguns luminares cristãos, um resto do velho antissemitismo de "os judeus mataram Cristo".

Disclaimer: refiro-me a casos específicos, óbvio, mas significativos, quando vêm regados à credibilidade do combate histórico pela liberdade e pelo bem político e social.

O que era esse antissemitismo cristão? Explico para os iniciantes. Durante muito tempo, muita gente dizia que "os judeus mataram Cristo".

Essa afirmação corria boca a boca por séculos. Graças aos esforços de muitos teólogos e líderes do cristianismo e do judaísmo, essa afirmação mentirosa perdeu força no Ocidente e, hoje, a imensa maioria dos cristãos apoia o direito de Israel se defender do terrorismo. Mas persiste na alma de alguns essa ideia antijudaica, ainda que velada. Vejamos.

Se alguém afirma que nesse Natal, o Cristo é uma criança palestina morta por Israel –entendo a metáfora teológica de longo alcance–, essa pessoa comete um pecado típico dos antissemitas cristãos do passado quando, inclusive, ignoravam a "nacionalidade" do Jesus de Nazaré.

Por isso, essa metáfora não é inocente e deixa transparecer que Jesus seria palestino e não judeu. Arafat tentou dar esse golpe de marketing em 2000 quando defendia que Jesus fora o primeiro palestino perseguido por um estado judeu.

Lembremos: Jesus de Nazaré era tão judeu quanto Barrabás, Bibi Netanyahu, Golda Meir, Yitzhak Rabin , Einstein, Marx, Freud. Ser judeu não é garantia de caráter, óbvio, como tampouco o é ser de esquerda –de direita, todo mundo está cansado de saber que não é.

Tampouco ser de qualquer "nacionalidade", incluindo palestinos ou brasileiros. Se Jesus vivesse na Europa da primeira metade do século 20, teria sido fritado na cara de todo mundo.

Nesse sentido, seria mais historicamente fundamentado dizer, no plano das metáforas, que as crianças mortas intencionalmente e as mulheres estupradas e arrastadas pelos cabelos pelo Hamas, são o Cristo nesse Natal –já que Jesus de Nazaré era tão judeu quanto elas, não?

Mas o atávico antissemitismo em setores da esquerda religiosa é mais forte. Ou, se fôssemos ser mais "inclusivos", deveríamos, talvez, dizer, metaforicamente, que nesse Natal, todas as crianças que são mortas no mundo são o Cristo –inclusive, as que morrem no nosso quintal aqui no Brasil, mas não dão ibope. Quando se diz que, apenas as crianças de Gaza são o Cristo, a hipótese que a precede –atenção!– é que os judeus estão matando o Cristo de novo.

O que os antissemitas ainda não perceberam é que o odor que eles exalam, hoje, é reconhecido imediatamente. Um caso gritante é o das universidades progressistas de ricos nos EUA.

A simples possibilidade de ver um judeu armado, que também pode matar, e que os enfrentam, causa horror, não? Judeus agora podem matar, tanto quanto aqueles que os matam. Durmam com um barulho desse.

Outro argumento do antissemitismo atávico de alguns cristãos é o que dizia que Jesus de Nazaré havia sido recusado, além de morto, pelo seu próprio povo.

A metáfora de que nesse Natal, apenas as crianças mortas em Gaza seriam o Cristo –e, portanto, Ele estaria sendo, de novo, recusado e morto pelo seu próprio povo–, faria qualquer antissemita do passado se sentir em casa, não? Esse é o tipo de gente que ama a humanidade, mas detesta judeus.

Espero que aqueles entre nós que afirmam que o Hamas é resistência anticolonial adotem um terrorista para si. Levem-no para casa nesse Natal. O antissemitismo de esquerda disfarçado de amor a humanidade grassa no mundo das ciências humanas.

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