Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

Sem limites, as pessoas estão ficando cada vez piores moralmente

O fato é que a falta de opção garantiu a sobrevivência do Homo sapiens no planeta

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Sei que você vai discordar, mas temo que as pessoas estão ficando piores. Por quê? Porque temos mais opções agora, dai ficamos mais egoístas, oportunistas, interesseiros. Não se trata de dizer que antes éramos melhores, mas, sim, de que tínhamos menos opções de movimento na vida, menos escolhas.

Os inteligentinhos não vão me entender, claro, mas o que estou dizendo é que com a emancipação, o progresso técnico e a geração de riqueza, que gerou a radical diminuição de limites externos aos nossos desejos, nós ficamos mais "livres" e, por isso mesmo, piores moralmente. É tudo mentira sobre o aperfeiçoamento moral humano ligado à razão e ao iluminismo.

A ilustração figurativa de Ricardo Cammarota foi executada em técnica manual, com lápis grafite sobre papel e, depois de escaneada, foi aplicado um fundo amarelo pálido chapado sobre o fundo.  Na horizontal, proporção 17,5cm x 9,5cm, a imagem apresenta, da esquerda para à direita, um instrumento de pedra lascada do período paleolítico em duas posições: de frente e de perfil e, ao lado, um aparelho celular também nas posições de frente e de perfil.
Ricardo Cammarota/Folhapress

Essa hipótese está diretamente ligada a um pressuposto que tenho acalentado nos últimos anos acerca do que se chama antropologia filosófica –estudo da natureza humana. Que silencie antropólogos e historiadores com seu papinho que não há padrão nenhum que se repita no comportamento humano. Guardem seus argumentos para quem não tem repertório.

Natureza humana nada tem a ver com teologia ou biologia aqui. Trata-se apenas de comportamentos que se repetem dadas certas condições de possibilidade a priori que, se mantendo constantes, geram comportamentos semelhantes em amostragens significativas.

Não venha me dizer que inventários não colocam em ação essa natureza humana. Não venha me dizer que inveja não coloca em ação essa natureza humana. Não venha me dizer que a possibilidade de acesso ao poder não coloca em ação essa natureza humana. Não venha me dizer que o acesso ao sexo como forma de espaço e facilidades no mundo do trabalho deixou de existir.

Civilizações pré-históricas que se parecem com o movimento Occupy Wall Street –um fenômeno já datado, de americanos jovens, ricos e egressos de universidades caras–, significam que nunca mais precisaríamos de advogados porque todos se amariam e partilhariam bens, recursos, ferramentas, espaços de poder e capital reprodutivo e sexual?

Eis meu pressuposto: a perda dos mecanismos de contenção do comportamento humano nos últimos 200 anos destampou a panela de pressão, e nós agora podemos ser mais invejosos, mais oportunistas, mais egoístas, mais mentirosos, perseguindo nossos sonhos e desejos.

Isso pode significar que processos de civilização e contenção entrem em colapso. Dito de outra forma: quanto mais autônomos, mas perigosos. Isso não significa, como pensam os inteligentinhos, que se trata de defender um retorno à Idade Média. Essa conversa é de gente boba. Trata-se de entender que há uma tendência entrópica no ar que se esconde por detrás dessa cultura em que somos todos Patetas da Disney ou Barbies histéricas emancipadas.

Dirão críticos da minha hipótese, com alguma razão, que antes vivíamos com escravidão, e hoje mais não. Sei. Mas, o modo de produção escravocrata foi o modo mais constante na pré-história e na história humanas. Se ocorrer uma catástrofe na gestão e produção tecnológica de bens necessários à vida, veremos escravos de volta ao cenário. Isso nada tem a ver com raça, tem a ver com vulnerabilidade política, social e econômica. A engenharia acabou com a escravidão, não a bondade da natureza humana.

Hoje, as pessoas se movimentam com mais liberdade de ação. Um mundo de opções de comportamento e de bens circulam a nossa volta. A própria educação –não que ela conte muito para nada além de formação técnica e profissional– embarca no discurso do ódio político como emancipação.

O fato é que, aparentemente, a falta de opção garantiu o convívio e a permanência do Homo sapiens no planeta. Essa hipótese parece tirar completamente a esperança na humanidade. Quem disse que alguma vez existiu essa esperança?

Vivemos, combatemos e cuidamos uns dos outros, na medida do possível, de nossa segurança e da nossa barriga cheia. Quanto menos precisarmos dos outros para atingirmos nossas metas –ou quanto mais os marketeiros de comportamento nos fizerem crer que é descolado ser escroto com consciência social–, mais oportunistas, egoístas, mentirosos e interesseiros seremos. Eis o futuro.

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