Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

Filhos são coisa do passado quando relações viram gestão estratégica

Procriar é um compromisso sólido demais para uma existência que, hoje, se move apenas pelo líquido

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Uma mega tendência, dizem os especialistas, em futuro próximo, é a queda sustentada da natalidade no Brasil. Essa mega tendência é comum em países que se modernizaram. No Brasil, esse é um problema a mais porque o país envelheceu e não enriqueceu. Jovens geram mais riqueza e custam pouco, idosos geram menos riqueza e custam caro –pura estatística, inteligentinhos idosos ofendidos não precisam sair me xingando.

Esse processo não deverá mudar, porque as causas são históricas, sociais, existenciais e econômicas. Esse tipo de coisa não se muda com um workshop de mentoria ou mentiras do marketing. E a principal razão é associada aos "ganhos" da modernidade.

Uma nova sabedoria popular afirma por aí que, em matéria de filhos, o pior são os primeiros 40 anos. Afora a anedota, reside aqui uma motivação bastante séria para a queda da natalidade, filhos viraram um ônus grave para os candidatos a pais e mães –altamente neuróticos hoje. Melhor não os ter.

Filhos, durante milênios, foram o simples resultado da alta atividade sexual na espécie. Sem TV, sem celular, sem jantares sociais, sem carga exaustiva de trabalho, a humanidade, de média etária jovem, tinha no sexo sua principal diversão —isso para não falar no imenso número de estupros sistemáticos que deixavam as meninas grávidas já desde a primeira menstruação. Como se costumava saber, quando mulheres jovens transam e homens gozam dentro delas, a chance de engravidar é enorme.

A ilustração figurativa de Ricardo Cammarota foi executada em técnica manual pincel com tinta nanquim aguada sobre papel.   A imagem, na horizontal, proporção 17,5cm x 9,5cm, apresenta a imagem de dois personagens, uma mulher e um homem, ambos passeando com seus pets (cachorrinhos) em seus carrinhos de bebê, em cena aberta no parque. Ao fundo, um lago e horizonte de prédios de cidade grande.
Ilustração de Ricardo Cammarota para coluna de Luiz Felipe Pondé de 5 de fevereiro de 2024 - Folhapress

O "progresso moderno" da humanidade transformou essa relação milenar num processo passível de grande espaço para gestão estratégica. O comportamento sexual e afetivo das pessoas passou a ser visto como um dos tópicos da agenda de planejamento de carreira. O que antes acontecia de modo espontâneo, assim como se respira, se transformou em objeto de cálculo de consequências. Essa passagem do espontâneo, impensado, ao calculado é a modernidade entre as pernas das mulheres.

Filhos hoje são matéria de contabilidade. Pesa-se muitas coisas antes de deixar um espermatozoide apressado chegar a um óvulo desavisado. Evidente que acidentes continuam a acontecer, mas ser moderno é exatamente calcular tudo de forma eficiente para evitar acidentes. A própria noção de que a maternidade seja um telos –finalidade essencial– da condição feminina é considerado machismo.

Filhos hoje são sinistros jurídicos. Implicam custos imensos em caso de separação –casamentos hoje são solúveis em água e filhos são uma imensa pedra em meio a reorganização da vida pós-casamento. Homens reclamam que no Brasil qualquer juiz toma um terço da sua renda sem a menor atenção ou análise mais detida da situação do ex-casal, quase como uma punição, enquanto mulheres reclamam que os pais fogem da responsabilidade e as deixam a ver navios com o pepino a ser descascado, atrapalhando, inclusive, sua futura vida sexual, afetiva e profissional.

O fato é que filhos são sólidos demais para uma existência que se move no líquido, como diria Bauman (1925-2017). Quando você tem um filho com uma pessoa, você está ligado a ela para sempre, o que, em nossos dias, pode implicar um enorme problema em vários níveis dos cálculos existenciais que caracterizam a vida contemporânea.

Filhos implicam em escola, saúde, atenção, finais de semana, férias, fracassos nas expectativas de que serão o que os pais pensam que seriam quando crescessem, incertezas quanto ao retorno do afeto dado a eles quando crianças, enfim, um mergulho que coloca você diante da contingência. Aliás, como dizia o filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626), quando um homem casa e tem filhos, oferece reféns para a contingência.

Mulheres veem filhos como um alto risco para sua independência e carreira profissional. O maior ônus biológico é delas, indiscutivelmente. Além das variáveis psicológicas e estéticas em jogo, são tomadas como por um tsunami de novos eventos, transformações e sentimentos. A mulher emancipada pensa mil vezes antes de ter um filho, dois nem pensar. E isso não vai mudar. O futuro é dos idosos solitários. Parabéns, modernidade!

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