Manuela Cantuária

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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Manuela Cantuária

Dedico toda a minha vida a buscar o brilho no olhar da minha terapeuta

Pago para garantir a ela uma hora de entretenimento semanal em que posso contar verdades com pinta de mentira

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O seu entretenimento é o meu negócio. Acho apropriado começar este texto com um slogan publicitário já que contar mentiras é o que paga a ração dos meus gatos. É o que faço nesta coluna e em roteiros de ficção —mas não estou aqui para vender o meu peixe, pelo contrário.

Porque as mentiras com fundo de verdade que conto publicamente não se comparam com o conteúdo semanal exclusivo que ofereço para um público-alvo muito específico, composto de apenas uma pessoa, que chamaremos de minha terapeuta.

duas mãos brindando um cafézinho. fundo vermelho e desenho em contorno preto.
Ilustração de Silvis para coluna de Manuela Cantuária de 30 de agosto de 2022 - Silvis

Dedico 24 horas do meu dia para garantir uma hora de entretenimento semanal para meu público-alvo favorito. E quem paga por essa assinatura premium ainda por cima sou eu. É uma relação oposta ao meu ofício em muitos sentidos, até porque nesse caso não conto mentiras com fundo de verdade e sim verdades com pinta de mentira.

Sabe quando você conta uma história real e seu interlocutor reage automaticamente dizendo: "Mentira!" —não em um tom acusatório, e sim para expressar seu espanto perante um fato que parece ter sido inventado pela mente doentia e fértil de uma roteirista que conversa com os próprios gatos?

Ninguém deixa escapar um "mentira!" e muda de assunto em seguida ou se distrai com o celular. Essa expressão significa que seu interlocutor quer saber mais, quer entender como aquilo é possível.

Não seria exagero dizer que dedico minha vida a buscar esse brilho no olhar da minha terapeuta. É o mínimo que posso fazer, já que o desenvolvimento interno desta personagem, que ela acompanha há várias temporadas, se deve ao trabalho impecável que ela vem fazendo.

Mesmo assim, não posso me tornar um motivo de orgulho para ela porque quando a personagem aprende a lição e evolui como ser humano, sobem os créditos.

Seria o fim da nossa história, ou, no pior dos casos, nossas sessões perderiam a graça e as únicas notas que ela faria no seu bloquinho seriam sua lista do supermercado.

É por isso que às vezes preciso me sabotar, para que minha terapeuta se sinta como uma avó assistindo à novela e gritando com a mocinha (no caso, com a televisão). "Deixa de ser burra!"

Espero que minhas leitoras não fiquem enciumadas, mas preciso encerrar este texto e fazer péssimas
escolhas para envolver meu público-alvo favorito ao ponto de levar o assunto adiante, para a própria terapia.

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