Duas mulheres. A primeira, Sandra Voyter, protagonista de "Anatomia de uma Queda", filme de Justine Triet. A segunda, Hedwig, protagonista de "Zona de Interesse", de Jonathan Glazer. Ambas magistralmente interpretadas pela mesma atriz, Sandra Hüller, embora aqui nos interesse mais suas diferenças do que pontos em comum.
Alerta de spoilers. Em "Anatomia de uma Queda", Sandra Voyter é acusada de assassinar o marido. E isso acontece porque Sandra não entrega o que se espera de uma mulher, ou seja, uma performance de gênero adequada.
Ela não é acolhedora. Paga as contas da casa e, quando provocada, não hesita em esfregar isso na cara do marido. Um marido que ela já traiu, em mais de um sentido: seja apropriando-se de uma de suas premissas literárias, seja transando com outra mulher.
Todos os comportamentos listados acima, por si só, não seriam suficientes para sustentar uma acusação de assassinato —quando o réu é um homem. Tais comportamentos são considerados, inclusive, corriqueiros como uma terça-feira qualquer para o gênero masculino.
Quantos homens seguem impunes sendo emocionalmente ausentes em suas relações íntimas e familiares? Quantos homens, ao longo da história, não se apropriaram do trabalho intelectual de suas companheiras? A ideia aqui não é generalizar. Mulheres também são emocionalmente ausentes, também traem. A diferença é o julgamento que elas sofrem por isso.
A mulher ideal deve ser sempre dócil e se dedicar integralmente ao lar. Isso, supostamente, é o que faz dela uma mulher boa, o oposto de uma mulher cruel. Então vamos a Hedwig, protagonista de "Zona de Interesse", esposa de um general de alta patente nazista. Uma mulher-troféu, capaz de absolutamente tudo para manter seu lar e garantir o bem-estar de sua família. Ainda que isso signifique morar a um muro de distância de um campo de concentração.
Mas um muro não é o suficiente para isolá-la da dor dos outros, e da própria. Hedwig precisou construir muros internos para sobreviver. Impossível assistir ao filme e não se lembrar do genocídio em Gaza e de tantas reações similares à de Hedwig à nossa volta e ao redor do mundo.
Duas mulheres, dois extremos. Uma paga o preço por ser fiel a si mesma. A outra paga o preço por ser exatamente o que esperam dela. Felizmente, só a primeira é absolvida no final da história.
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