Uma diva pop brasileira foi traída, grávida. "Justo ela, que é uma deusa?!", comentam reles mortais. Esse tipo de comentário não só hierarquiza mulheres pelo padrão de beleza, como constata que não adianta chegar ao topo da cadeia se até a mais poderosa das mulheres pode ser vítima de um homem —por mais medíocre que ele seja.
Um poderoso candidato à Presidência dos Estados Unidos sobrevive a um atentado a tiros. Antes de ser retirado às pressas do palanque, ergue seu punho, vitorioso. Agora, ele tem uma carta dupla na manga, com grande potencial de beneficiá-lo na disputa eleitoral: é uma vítima e um símbolo de força e virilidade ao mesmo tempo.
Esses dois eventos recentes acionaram gatilhos e geraram comoção. Ambos trouxeram uma sensação de déjà vu, de que já vimos esse filme, seja na esfera íntima ou política.
A princípio, essas histórias não têm absolutamente nada em comum. Mas o mesmo apelo parece pular das entrelinhas: precisamos falar sobre masculinidade.
Não de masculinidade no sentido original, e sim do ideal deturpado de masculinidade que reduz seres humanos complexos a presas e predadores. E que pode ser sintetizado em uma imagem: o tiro saindo pela culatra.
Um jogador de futebol, reproduzindo um padrão de comportamento "mulherengo" para afirmar sua virilidade, perdeu a mulher que ama, uma família linda, e o respeito e admiração de parte de seu público.
Uma liderança política declaradamente armamentista —sendo a arma de fogo outro símbolo óbvio de virilidade—, se tornou alvo de um cidadão armado e, por muito pouco, não perdeu a própria vida.
Não estou dizendo que eles são pobres coitadinhos. É muito provável que os dois sairão dessa mais famosos e influentes, ainda que —visivelmente— feridos. Não nego que senti ódio de ambos. Afinal, sou humana, assim como eles também são.
Afirmar que o patriarcado também faz dos homens vítimas de si mesmos ainda é um tabu no feminismo, muitas vezes considerado "passação de pano". Mas é libertador lembrar que estamos todos sufocados pelos mesmos clichês.
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