Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de "Criar Filhos no Século XXI" e “Manifesto antimaternalista”. É doutora em psicologia pela USP

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Descrição de chapéu Mente Todas casamento

Qual o lugar do padrasto?

Os padrastos são figuras recorrentes nas biografias contadas dentro e fora do divã

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Com a proliferação dos divórcios, o padrasto passa a ser uma referência comum no cuidado com as crianças. Papel indigesto diante do tiroteio que se segue às separações, não raro eles têm filhos de outras relações e que trazem mais farinha ao angu da família.

Até pouco tempo atrás a guarda das crianças era hegemonicamente materna, com o pai se fazendo presente no arranjo de uma noite por semana e fins de semana alternados. Assim, era comum que o padrasto convivesse com enteados mais do que eles com o próprio pai e até mais do que ele com os próprios filhos, que também estavam no esquema de uma noite e dois finais de semana por mês.

A logística para que os novos casais desfrutem de um tempo sem a prole de ambos, como se sabe, é digna de operação de tráfego aéreo. E há que se incluir na conta o prazer de ver os planos do(a) ex ruírem, por inveja e ciúmes.

A imagem em preto e branco mostra duas mãos adultas segurando duas mãos infantis, simbolizando proteção e cuidado. As mãos estão em destaque contra um fundo preto, enfatizando o contraste e a conexão entre as gerações.
Victoria/Pixabay

A guarda compartilhada surgiu mais da resistência dos homens a pagarem pensão do que de um desejo irrefreável de se ocuparem das crianças em turnos iguais. Poucos e louváveis são aqueles que aderiram ao modelo por quererem estar mais com os filhos.

O padrasto pisa em ovos ao disputar um espaço de responsabilidade com um pai que pode ser presente e competitivo, mas também pode se sentir pressionado a ocupar o lugar de um pai negligente.

Além disso, estando ao lado de uma mulher, logo perceberá que se já há logística compartilhada na guarda, ainda não há carga mental compartilhada. Isso implica em dividir a companheira com uma preocupação que a absorve o tempo todo, mesmo com os filhos ausentes.

Por vezes, incapazes de lidar com o término de relações anteriores, enciumados e ressentidos, se dedicam mais aos enteados do que aos próprios filhos. São aqueles que não conseguem sustentar inteiramente seu lugar de adulto junto às crianças e as penalizam em função da ex. Ou ainda, assombrados pela culpa da separação, não perdem a oportunidade de mostrar sua predileção pelos filhos biológicos na presença dos enteados.

Na nossa dificuldade habitual de aprender a lidar com a concomitância, no caso, de duas figuras masculinas de referência e de crianças com origens distintas, é comum o padrasto subestimar sua importância. No entanto, eles são figuras recorrentes nas biografias contadas dentro e fora do divã —para o bem e para o mal.

Mesmo aqueles que se esquivam são reconhecidos pelos enteados(as) como importantes fontes de identificação. Para assumir essa importância eles terão que admitir que seus próprios filhos têm outras figuras centrais em suas vidas, ou que entraram numa relação de casal com o ônus e o bônus dela vir com relacionamentos compulsórios.

Mas, para que deixem de ser assombrados pelo fantasma no qual pai, mãe e filho biológico são tidos como o modelo hegemônico, é fundamental que cessem de alimentar falsas expectativas.

Em "Poeta Chileno" e em seu mais recente livro "Literatura Infantil", o genial Alejandro Zambra pinta quadros sensíveis e dignos sobre a crucial influência de um padrasto, no primeiro, e o apaixonamento de um pai de bebê e as contas a acertar com o próprio pai, no segundo. Ao revelar a complexidade dessas relações, demonstra que elas podem ser construídas e reconstruídas de várias formas, em diferentes fases e com significados únicos.

Não raro as crianças colocam pai e padrasto em disputa para testar, inconscientemente, suas verdadeiras intenções. Mais do que definir o lugar do pai e do padrasto, as crianças querem mesmo é saber com quem elas poderão contar nas horas mais escuras.

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