É claro que o talento, a inteligência e o gênio contam muito —assim como a circunstância histórica.
Mas o destino de um poeta também depende de sua escolha pessoal. Em particular, cada poeta escolhe por si mesmo o tamanho —a grandeza— que pretende ter. Nem todos aspiram a falar da mesma altitude.
Seria tolo negar a genialidade de um Baudelaire, por exemplo; mas seu propósito, como poeta, era mais específico do que o de um Victor Hugo.
Para bem ou para mal, o autor de "Os Miseráveis" pretendia reescrever a história da humanidade, queria fundar continentes, abrir oceanos, gerar galáxias; Baudelaire procurava seus próprios porões, que eram os do homem contemporâneo.
Poucos poetas foram tão "voluntários" em sua escolha de grandeza quanto o americano Walt Whitman (1819-1892). Seu bicentenário de nascimento caiu agora, na sexta-feira passada —e, se Victor Hugo é bem mais impressionante em termos de imaginação, variedade e poder verbal, Whitman tem sobre ele a vantagem de ser, ainda agora, mais moderno, mais influente, mais natural... E menos ridículo.
Sem fazer rimas, e usando de versos desmedidos, Whitman só não causou o escândalo estético de outros artistas modernos porque seu modelo era a Bíblia.
O que ele quis escrever —e conseguiu— foi uma espécie de "livro sagrado" da democracia, da terra e do povo americanos; era como se Davi, Jó, Moisés ou Salomão aparecessem de repente, no alto dos Apalaches, usando camisa xadrez e apontando, com mãos de lenhador, para a aurora do homem comum.
Talvez aí esteja o segredo, um dos segredos, de Whitman. Quis ser grande porque quis ser todo mundo, ser qualquer um.
"Eu celebro a mim mesmo, eu canto a mim mesmo,/ e o que afirmo irás afirmar também/porque todo átomo que a mim pertence de modo igual pertence a ti", escreve Whitman.
É dessa fraternidade que ele tira sua energia interminável. E, de fato, uma vez que o verso se põe em funcionamento, não sabe mais como parar. Segue "a urgência procriativa do mundo", dirige-se a qualquer pessoa, a qualquer animal, a qualquer paisagem como se fossem seus irmãos.
O bebê no berço, a mosca que se aproxima de seu rosto, o ônibus lotado, o condutor do ônibus, a multidão que protesta, o policial com seu cassetete, as pedras do pavimento, o ganso que conduz sua prole, as portas do celeiro, o homem que serra uma tábua, o juiz que assina uma condenação à morte, o suicida, o marinheiro, o granizo, o pé de amora...
Não tem fim. Esse sentimento de totalidade, que torna Whitman incomparável, não deixa de cobrar seu preço. A avalanche de coisas invocadas impõe, paradoxalmente, uma certa pobreza.
Com tantos substantivos, a poesia dele perde imaginação quando precisa usar os verbos. Praticamente tudo poderia começar com "Eu canto...", "Eu celebro...", "Eu sou..." —sou isso, aquilo, aquilo também, e mais isso, mais aquilo etc.
O poder liberador dessa escrita foi decisivo para o século 20: de Pablo Neruda a Carlos Drummond de Andrade, de W. H. Auden a Allen Ginsberg, de Fernando Pessoa a Paul Éluard. Abriu-se caminho para uma poesia que não mais imita a atitude de quem beija a amada ou junta as mãos em prece ou penitência, mas que se faz pronta para abraçar o mundo.
Surge outro problema, contudo. Na sua incondicional afirmação da vida —que implica superar o senso do pecado e da culpa—, Whitman parece aceitar coisas demais.
O assassino e o assassinado, o escravo e o fazendeiro, o carrasco e a vítima fazem parte desse "todo mundo" com quem Whitman se identifica. Cantar a vida, sem restrições, é também cantar a doença e a morte.
Não faz diferença; como o poeta se torna a voz do mundo, do universo, de Deus, da urna eleitoral, sua efusão se traduz numa espécie de onisciência cega, de aprovação totalizante.
Uma pessoa sozinha se torna todas as outras. É bem o lema da união entre Estados independentes —"e pluribus unum"— instaurada pela Constituição americana. Eis uma poesia que, a despeito de seu alcance universal, se funda no esforço de reconstituir a unidade de um país dividido entre escravatura e abolição, no trauma da guerra civil.
Os grandes escritores europeus, Hugo, Stendhal, Goethe, Chateaubriand, mediam-se pelo modelo de Napoleão. Muito americano, Whitman se referia a Abraham Lincoln. Talvez por isso ele esteja no centro da poesia moderna, mas um pouco deslocado também; gigantesco, mas algo perdido entre a Louisiana e o Maine, entre o Mississippi e Omaha.
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