Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcelo Coelho

Quem são os indecisos que dizem não saber se votam em Lula ou Bolsonaro?

Debate adianta pouco quando há eleitores que não querem ver o que está em jogo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Achei que Lula foi razoavelmente bem no debate de domingo passado, dia 16. Também achei que Bolsonaro não se deu tão mal como merecia.

Mas qual a relevância minhas opiniões? Sinto-me tão desconectado do que passa na cabeça das pessoas que o que disser ou prognosticar talvez deva ser entendido pelo avesso. O que penso é provavelmente o contrário do que acontece.

Há quem diga que os debates são importantes para que os indecisos finalmente se decidam. Será? Já não sei. Como alguém pode ainda estar indeciso? Algumas hipóteses.

Primeira: não está indeciso coisa nenhuma. Simplesmente é bolsonarista e não quer confessar seu voto; odeia os pesquisadores e não lhes quer dar a alegria de dizer a verdade. "Não vou votar em nenhum." Vai sim: vota em Bolsonaro.

Segunda hipótese, mais otimista. O indeciso prefere dar seu voto a quem vai ganhar. Não quer "perder" a eleição. Precisa se agregar aos vitoriosos. É um inseguro, é um nada. Espera para ver o que vai dar.

Por isso mesmo, sua indecisão o valoriza. A família insiste: vote no candidato A. Na rede social, a pressão é outra: vote no candidato B. Eis o nosso indeciso cortejado; eis que se torna o foco das atenções. Ele provoca, ele irrita, ele dá esperanças, ele se deixa convencer... E depois muda de ideia. Há um conforto nisso.

Na ilustração, um homem, vestindo terno, leva a mão ao queixo. Seu rosto é substituído por um fundo laranja com rabiscos. Atrás de si, há imagens de objetos: uma bala, uma arma, uma motosserra, talheres, uma coluna grega e uma seringa.
Ilustração de André Stefanini para coluna de Marcelo Coelho - André Stefanini

Penso numa terceira hipótese: o sujeito é indeciso porque simplesmente não sabe de coisa nenhuma. Não sabe que Bolsonaro militou contra o uso de máscaras e chamou a pandemia de gripezinha. Ah, é, lembra-se de alguma coisa, mas não prestou atenção. Faz tanto tempo... Que diferença isso faz agora?

Também ouviu, no debate, as menções de Bolsonaro à corrupção petista na Petrobras. Mas o que foi mesmo aquilo? Petrolão? Isso faz mais tempo ainda... Lula não respondeu direito a esses ataques, desviando atabalhoadamente para a comida e o salário do povo. Relou, de leve, no tema da rachadinha bolsonarista... Mas o indeciso não sabe de nada —não quer saber, não se lembra, tanto faz.

Bolsonaro invocou os nomes de ministros do Supremo Tribunal Federal para atacar Lula. Foi surrealista, já que Bolsonaro é inimigo jurado (epa!) daquela corte. Mas o indeciso não toma conhecimento.

"Um candidato diz uma coisa, outro candidato diz outra, como é que posso decidir?" Talvez os dois estejam dizendo a mesma coisa, pensa o indeciso. Talvez nenhum dos dois esteja dizendo nada. Uma coisa é certa: eu não estou ouvindo nada.

Existe também um quarto tipo, o do indeciso sofisticado. "Hum! Hum! Mas quais são as propostas dos candidatos?"

Posso mencionar que Bolsonaro defende torturadores, elogia a ditadura e quer que os cidadãos "de bem" tenham acesso a todas as armas que quiserem comprar.

"Hum! Hum!", reclama o eleitor indeciso mais exigente. "Mas quais são as propostas dele para a reforma tributária? Não vejo os candidatos falando nisso..."

Vive-se, então, uma espécie de indiferença valorativa, uma equalização de todos os princípios. O candidato A é torturador, mas pelo menos é privatizante. O candidato B não destrói a Amazônia, mas lembremos que se omite com relação a Cuba. Promover um genocídio ou dar pedaladas no orçamento? Incendiar a Amazônia ou apertar a mão de Nicolás Maduro? Defender a tortura ou ser contra a privatização de um gasoduto?

Puxa, que escolhas difíceis, pensa o indeciso sofisticado, para quem todas essas coisas têm importância igual.

Entre a democracia e a barbárie, entre o século 21 e a Idade da Pedra, a opção não é fácil. Afinal, cada época teve lá suas qualidades e seus defeitos.

Ele não se decide.

O melhor debate do mundo haverá de deixá-lo descontente. O maior absurdo que Bolsonaro possa dizer (e já houve tantos!) não abala a sua indiferença.

Sejamos bíblicos: há quem veja o cisco no olho do próximo e não perceba a trave que veda a própria visão.

Claro, o que é máximo defeito para mim pode não ser para o outro. O defensor do capitalismo ultraliberal não acha a democracia tão importante assim. Paulo Guedes, sem deixar de usar ridiculamente sua máscara nas reuniões do ministério, não viu nada de ruim na ditadura de Pinochet.

O indeciso gourmet quer saber das "prioridades" de cada candidato. As prioridades estão claríssimas. O problema do indeciso, entretanto, é que ele mesmo não sabe quais são as suas. Desrespeito sistemático aos direitos humanos e à Constituição? Ou privatização da Eletrobras? Ele não sabe qual das duas coisas é realmente decisiva. Não existe nada decisivo para ele. Não sabe, nem quer saber.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.