Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Extremismo bolsonarista não deve voltar a ser só resmungo conservador

Fascismo trocou a sem graça 'máquina do não' do conservadorismo de poltrona pela vivacidade das ruas

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Contam-me que em algumas cidades do interior há grupos bolsonaristas divulgando os nomes de lojas e prestadores de serviço supostamente pró-Lula, para que sejam boicotados —ou coisa pior.

Não só os nomes dos "comunistas" são lidos em praça pública, como também pode acontecer de as fachadas das lojas e escritórios serem pichadas com estrelas vermelhas. A memória é inevitável. Os nazistas pintavam com estrelas amarelas as propriedades dos judeus.

Saudações nazistas e um grupo marchando feito soldadinho na frente de um quartel já foram registradas no YouTube e reproduzidas na imprensa.

Há duas reações possíveis diante disso. A primeira é que seriam apenas fatos isolados, cujo ímpeto diminuirá com o tempo. Acaba sendo "normal", para algumas pessoas, que pequenos grupos radicais existam numa democracia.

A reação oposta é a de que o bolsonarismo sobreviverá, com Bolsonaro ou sem ele; ao primeiro deslize do novo governo, uma onda de desestabilização poderá se desencadear.

A ilustração mostra um poltrona vermelha no centro sob fundo amarelo; uma serpente preta percorre a poltrona.
Ilustração de André Stefanini para coluna de Marcelo Coelho - André Stefanini

Terá sido o extremismo de Bolsonaro apenas um surto, motivado pelo ódio ao PT? Nesse caso, o direitismo desses milhões de eleitores poderia, no futuro, contentar-se com candidatos menos bizarros, mais tradicionais.

Mas tenho medo de outra possibilidade, que não exclui a anterior. Consiste no seguinte —ser de direita, uns dez anos atrás, não tinha graça nenhuma. Você ficava em casa resmungando, lendo a imprensa matutina, e deixando ligada a "máquina do não".

É aquela coisa que todos conhecem. Alguém fala em aumentar o salário mínimo. A direita liga a máquina do não. "Ah, não, não, não vai dar." Fala-se em investir mais na saúde pública. "Claro, claro, seria bom, mas não, não, é impossível." Qualquer coisa será "populismo", e nosso triste personagem segue sentado na poltrona.

Essa era a vida, sem nenhuma graça, do direitista antes de 2013. Não é o caso aqui de teorizar sobre o fascismo, mas uma coisa parece inegável —para o "conservadorzão" urbano, o fascismo é mais divertido do que ficar em casa.

No mundo rural, o rodeio, a festa junina, a cavalhada e o tratoraço naturalmente congregam pessoas que já pensam parecido; dali para o comício e para o apoio a Bolsonaro, o caminho não é tão longo. Paradoxalmente, há um senso mais gregário no campo do que na cidade —aqui, você não sabe o que seu vizinho de casa acha do mundo.

De repente, aparecem motivos para você sair da poltrona —a dona de casa e o maridão descobrem que, em vez de passear o cachorro dando voltas no quarteirão, podem cobrir-se com uma bandeira do Brasil e se sentirem mais jovens, mais participantes, mais esperançosos e donos da verdade.

Difícil que esse tipo de coisa desapareça com a derrota de Bolsonaro. Verdade que a esperança caiu um pouco: não apareceu (por enquanto) algum militar disposto a atender os apelos feitos à porta do quartel.

Houve muito dinheiro, muita paciência e muita técnica para fazer com que a extrema direita, durante todo este período, contasse com uma capacidade de mobilização superior a tudo que a esquerda pudesse conceber.

Talvez parte do dinheiro seque. Mas o velho direitismo do "não" talvez seja incapaz de voltar a ser majoritário no futuro.

Aquilo de que se tinha vergonha —ter nojo de homossexuais, xingar negros, chamar pobre de vagabundo, querer que São Paulo expulse os nordestinos— foi liberado, graças ao endosso de um presidente da República e seus sequazes. Aqui, uma aplicação severa da lei pode inibir o extremismo.

Prenda-se, ou anule-se politicamente, a figura de Jair Bolsonaro. Ele nunca foi mais do que um desses deputados que representavam o impronunciável —"bandido bom é bandido morto", coisas desse tipo.

O prazer da mobilização fascista, mesmo assim, pode persistir, substituindo o que antes se chamava de "discreto charme da burguesia". Todo dia se tornou "dia do orgulho fascista".

Do outro lado, os eleitores de Lula se dividem entre os que sentiram alívio e aqueles, mais pobres, em sua maioria, que também têm esperança. O alívio foi real; sobre as esperanças, não tenho nenhuma certeza de que sejam atendidas.

A velha máquina do "não" já está em pleno funcionamento. Onde estão as forças do "sim"? Chato dizer, mas por enquanto a dúvida é pouco inspiradora. Resume-se a saber quem ganha —se a direita tradicional, ou se uma permanente mobilização fascista.

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