Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Contra suposta Venezuela de Lula, elegeriam Roberto Jefferson ou Daniel Silveira

O ódio de classe pode ser mais poderoso do que os próprios interesses de classe

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Seria bom se a espetacular esparrela de Roberto Jefferson tirasse alguns votos de Bolsonaro neste segundo turno. Mas já não acredito mais em nada.

Grande parte da força de Jair Bolsonaro está no antilulismo, e o antilulismo aceita tudo. Aceita compra de cloroquina, aceita mansões, aceita rachadinha. Aceita racismo, machocracia e homofobia. Aceita liberação de armas, luta contra vacina, campanha contra uso de máscaras.

Se Bolsonaro não existisse, essa gente votaria no Padre Kelmon, em Roberto Jefferson, no Cabo Daciolo ou em Daniel Silveira. Tudo menos Lula; tudo, menos transformar o Brasil "numa Venezuela".

Como pretexto, esse é dos piores. Tivemos oito anos de Lula, mais quatro e pouco de Dilma, e mesmo no auge da popularidade o governo petista nada fez de remotamente parecido com os seguidos golpes de Hugo Chávez e Maduro contra a democracia.

Em um fundo vermelho, ilustração mostra homem de terno do peito para cima. A cabeça é uma silhueta de uma granada. Com a mão esquerda, o homem retira o pino da granada.
Ilustração de André Stefanini para coluna de Marcelo Coelho - André Stefanini

Vêm de Bolsonaro as ameaças contra o Judiciário, contra a imprensa e contra os direitos humanos. É o candidato de extrema direita quem elogia a tortura e os assassinatos políticos.

Só com muita má vontade é possível equiparar a simpatia de parte da esquerda por Venezuela e Cuba com uma vida inteira de fidelidade à ditadura que tivemos aqui mesmo, no Brasil.

Parece-me claro que, com seus acenos a Cuba e à Nicarágua, Lula nada mais fez do que dar algumas migalhas de compensação simbólica a uma militância que o viu, durante todo seu governo, fazendo todo tipo de concessão ao capital financeiro, ao empresariado e ao agronegócio.

As concessões serão provavelmente ainda maiores num futuro governo do PT, é verdade que com maior combate ao desmatamento na Amazônia. Fora isso, não vejo como levar a sério a ideia de que Lula representa ameaça ao capitalismo e à democracia.

É pretexto; o antilulismo tem raízes mais fundas, de que o blábláblá sobre Venezuela não dá conta.

O ódio de classe pode ser mais forte do que os próprios interesses de classe. O horror a Lula se deve tanto a seus defeitos (a corrupção) quanto a suas qualidades.

É imperdoável, para a classe média, o fato de que seus anos no governo trouxeram, em boa medida, crescimento econômico, respeito internacional e acesso dos pobres ao consumo.

Some-se a isso algum respeito pelos direitos humanos, alguma indicação de que o país é para todos, e não apenas para uma minoria. Eis o bastante para muita gente achar que Lula quis ou quer acabar "com a nossa democracia" e impor um sistema cubano por aqui.

Contra isso, o bolsonarista aceita qualquer coisa —e já havia gente reunida para apoiar Roberto Jefferson, lutar contra sua prisão, peitar a polícia, ou —coisa mais fácil— agredir repórteres.

A boa notícia é que, pela primeira vez nesses quatro anos de loucura, o próprio Bolsonaro achou que a coisa tinha ido além dos limites. Claro, o momento é excepcional, com a eleição por um fio; sua campanha decidiu não correr o risco de perder algum voto.

Eu ficaria contente se esse episódio de Roberto Jefferson encapsulasse (epa) o destino das possíveis resistências extremistas a um resultado eleitoral pró-Lula.

Infelizmente, não tenho certeza do que ainda possa acontecer. A diferença de votos não é grande, e minha impressão é que os bolsonaristas estão certos da vitória. Alimentam-se das próprias notícias.

Do lado antibolsonarista, o que mais sinto na mobilização destes dias é muita angústia, para não dizer medo generalizado. Foram muitos baques seguidos: o de 2016, o de 2018, o das pesquisas do primeiro turno.

Se um bom número de bolsonaristas tem toda essa certeza, não há como descartar a hipótese de que contestem o resultado eleitoral, com ajuda dos "técnicos" de farda e capacete.

Pegou mal a "resistência" de Roberto Jefferson? Sim; foi um episódio ridículo. Também é ridículo o guarda-roupa de Luciano Hang, o dono da Havan. Não há bolsonarista que se disponha a usar aquele tipo de roupa.

Mas uma coisa é resistir sozinho, de armas em punho, a uma ordem de prisão. Outra, pensa o extremista "sério", é deixar o país "uma Venezuela".

O bolsonarista "sério" não se veste como Luciano Hang; mas chama de "mito" o palhaço-mor. Entre um juiz e um general, escolhe o general. Entre um jornalista e um miliciano, escolhe o miliciano.

Quem apoiou Daniel Silveira não convence quando critica Roberto Jefferson. A uma semana das eleições, Jefferson ficou isolado. E quando vier o resultado das urnas? Haja Polícia Federal para os próximos tempos.

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