Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Além de poluição, seu carro produz psicose e asma

Gases de escapamento estão deixando jovens mais perturbados e crianças com a angústia de não respirar direito

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Nesta altura do campeonato de poluição do ar em que a cidade de São Paulo se sai tão bem, todo mundo sabe que os gases de escapamento dos carros fazem mal à saúde. Mas quem iria imaginar que eles também estão deixando os jovens mais loucos do que seu normal?

O vínculo entre poluição do ar e psicoses apareceu dia 27 de março num periódico da Associação Médica Americana, o Jama Psychiatry. Para chegar a essa conclusão, o estudo pioneiro do King's College de Londres acompanhou até os 18 anos 2.232 crianças nascidas na Inglaterra e no País de Gales em 1994 e 1995.

Só 2.063 (92% do total), é verdade, forneceram dados sobre experiências psicóticas clínicas (esquizofrenia) e subclínicas (ouvir vozes, paranoia). No que se refere a poluentes, o trabalho concentrou-se em quatro tipos: dióxido de nitrogênio (NO2), outros óxidos do mesmo elemento (NOx) e material particulado com diâmetros menores que 2,5 (MP2,5) e 10 (MP10) milésimos de milímetro.

Pouco mais de 30% dos jovens (623) relataram ao menos um episódio psicótico entre os 12 e os 18 anos. Ao cotejar seus locais de residência com dados sobre poluição do ar, o grupo constatou que as experiências de psicose eram significativamente mais comuns entre os que sofriam maior exposição a poluentes, sobretudo NO2 e NOx.

 
Carros em engarrafamento em Londres
Carros em engarrafamento em Londres - REUTERS

Esses gases são produzidos por motores de veículos que queimam óleo diesel, gasolina ou etanol. Na cidade de São Paulo, o diesel é o problema principal (ou seja, ônibus e caminhões), sendo responsável por 75% das emissões de óxidos de nitrogênio. 

Juntas, essas substâncias no ar explicam estatisticamente 60% da ocorrência de psicoses em áreas urbanas. Segundo os pesquisadores, foram excluídos todos os outros fatores que poderiam contribuir para os distúrbios mentais, como status socioeconômico, psicose na família, tabagismo e outras dependências químicas.

Suas suspeitas recaem sobre mecanismos biológicos (neuroinflamação) e psicossociais (estresse). Mas fundamentar de forma inequívoca um vínculo causal entre poluição e doença mental exigirá mais estudos.
Bem mais estabelecida está a ligação entre poluentes e doenças respiratórias. De todo modo, outro estudo pioneiro, da Universidade George Washington, na capital dos EUA, estimou o peso da correlação entre NO2 e a ocorrência de asma em crianças no mundo todo, com dados de 2010 a 2015.

Conclusão: cerca de 4 milhões de crianças sofrem um primeiro ataque de asma por exposição ao dióxido de nitrogênio por ano. Isso representa 13% de todos os casos pediátricos novos registrados anualmente.
O caso mais extremo se encontra na China, país que queima muito carvão mineral —poderosa fonte de óxidos de nitrogênio"“ para produzir eletricidade: 8 das 10 piores cidades são chinesas, com 37% a 49% dos casos atribuídos ao NO2; as outras são Moscou e Seul, ambas com 40%.

O estudo saiu em 10 de abril noutro periódico médico importante, The Lancet Planetary Health. No caso da capital paulista, os autores estimam que até um quarto dos casos novos de asma pediátrica podem ser atribuídos, em princípio, às concentrações de NO2 na região metropolitana.

O título da coluna, na realidade, contém três imprecisões: 1. Não é só o seu carro que gera poluição e doença, mas os de todos nós; 2. Eles também produzem mudança climática ameaçadora, na medida em que muitos compostos poluidores são também gases do efeito estufa ou mediadores de reações químicas que os produzem (como o ozônio); 3. A exceção, claro, são os carros elétricos, que não emitem esses poluentes.

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