Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Descrição de chapéu Coronavírus

Bolsonaro e Doria apostam corrida maluca pela vacina

Presidente negacionista e governador tucano protagonizam espetáculo indecente

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São Paulo

Manaus não consegue respirar. No domingo (17), enquanto moribundos manauaras sufocam, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) dominada por militares planeja encenar exibição de diligência tardia ao transmitir pela TV reunião para aprovar duas vacinas contra Covid-19.

Na noite de sexta-feira (14), não se podia descartar nem que fosse adiado o showzinho do governo Jair Bolsonaro. Um dos imunizantes em pauta, o “de Oxford”, viria às pressas da Índia para o ministro Eduardo Pazuello ter o que contrapor à vacina “da China” já estocada pelo governador paulista, João Doria (PSDB), mas o barata-voa não funcionou.

O chanceler Ernesto Araújo até disparou telefonemas ao colega indiano mendigando liberação de 2 milhões de doses, mas deu com os burros do Itamaraty n’água. Sem a garantia, um avião da Azul --empresa do bolsonarista e trumpista David Neeleman—continuava estacionado no Recife, já envelopado com propaganda do governo que sempre desdenhou das vacinas.

Pazuello agora quer todas as doses do Instituto Butantan. Os paulistas retrucaram que precisam saber quantas doses se destinarão ao estado, para entrega direta em seu centro de logística. Não querem tomar um chapéu da gangue de Bolsonaro.

Show por show, Doria também montou o seu. Pavoneou-se na entrevista coletiva do dia 7 ao anunciar “78% a 100% de eficácia” da Coronavac, um recorte publicitário dos dados, e suscitou controvérsia desnecessária sobre um bom imunizante.

Apenas cinco dias depois, em nova entrevista coletiva do Butantan --de que o governador se ausentou-- o número correto de eficácia apareceu: 50,4%.

Ruim? Não, porque a Coronavac evitaria mais de 3/4 das internações e tem vantagens de segurança e logística. Decepcionante? Apenas em aparência, criada pela ambição de Doria e uma manipulação de informações para não ficar atrás dos 70% anunciados para o produto AstraZeneca/Oxford (dado que também tem sido questionado).

Trata-se de embelezamento inaceitável em estudos científicos, o que se chama de escolha a dedo (“cherry-picking”). Mais difícil de entender do que a farsa doriana é a escorregada do Butantan ao embarcar na canoa furada do tucano; o instituto, pelo menos, se redimiu com a segunda apresentação à imprensa, bem mais transparente.

O saldo da cincada de Doria foi dar munição aos aloprados bolsonaristas, presidente e prole incluídos. Não só voltaram a desmerecer a vacina paulista, que agora querem confiscar, como ainda aproveitaram para fazer propaganda e pressão pelo suposto e indefensável “tratamento precoce”.

Bolsonaro sustenta, como cortina de fumaça tóxica para ocultar o atraso da vacinação, que o Brasil estaria melhor no panorama mundial da pandemia graças a essa charlatanice que onera o SUS. Alega que, proporcionalmente à população, o país tem menos óbitos que outras nações.

De fato, até aqui, com 98 mortes por 100 mil habitantes, saímos melhor que o Reino Unido (129/100 mil) e os EUA (115/100 mil), por exemplo. Como palmeirense, contudo, o presidente deveria comparar-se não com os lanterninhas da tabela, mas com os líderes.

Que tal seu Israel idolatrado? 41/100 mil. Alemanha? Com 9,5/100 mil, desta vez a lavada é de 10:1. E diante da China, volta e meia achacada pela quadrilha Bolsonaro, melhor nem fazer a conta: 0,3/100 mil.
Há uma diferença crucial, porém: todos esses países já iniciaram a vacinação. Enquanto isso, Bolsonaro tomou uma volta de Doria na corrida maluca pela vacina e não consegue nem garantir a chegada de oxigênio a Manaus.

Impeachment é pouco para tanta barbárie, covardia e indecência.

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