Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Brasil terá um infeliz Natal e um péssimo 2021

Casos de Covid explodem, não há vacina para todos, presidente sabota imunização, e o povo faz festa

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Não é o que se possa desejar, e sim o que se deve constatar: nós, no Brasil, teremos um Natal infeliz e um péssimo Ano Novo. Com a chegada de 2021, o país roçará o limiar vergonhoso de 200 mil mortos por Covid.

Na manhã de sexta-feira (18), são 184.827 os óbitos oficiais. Morreram mais brasileiros pelo coronavírus, em dez meses, do que morrem num ano inteiro por moléstias respiratórias. Em breve a Covid ultrapassará o câncer, segunda causa de morte no país.

Tamanha mortandade resulta da gripezinha de Jair Bolsonaro, Osmar Terra, Bia Kicis et caterva. Os responsáveis pelos óbitos em excesso têm nome e sobrenome. Não raro, o mesmo sobrenome.

A quadrilha de negacionistas locupletada em Brasília gosta de invocar a proporcionalidade pela população para dizer que nossa mortalidade covidiana é baixa. Com 88 óbitos por 100 mil habitantes, de fato nos saímos melhor que os 94/100 mil dos EUA e os pavorosos 115/100 mil do Peru ou os 112/100 mil da Itália.

A comparação correta, contudo, seria com quem fez a coisa certa. Nova Zelândia: 0,5/100 mil (isso mesmo, 25 mortes numa população de 4,9 milhões). Uruguai: 3. Alemanha: 30, e já partindo para lockdown.

A China, provável origem da pandemia, pisou na bola de início, mas reagiu como só as ditaduras conseguem —com restrições draconianas à liberdade individual. Embora não dê para confiar nos números de lá, a marca de 0,04/100 mil humilha qualquer candidato a autocrata abaixo do Equador.

Não há como se orgulhar por termos o terceiro maior número de casos no mundo, 7,1 milhões, atrás só dos EUA (17,2 milhões) e da Índia (10 milhões). Mas, de novo, pondo os números em proporção, a copa da infâmia coloca os americanos no pódio: o país mais poderoso tem 4% da população do planeta e 23% das infecções pelo Sars-CoV-2.

O Brasil não faz feio no campeonato mórbido. Com menos de 3% da população mundial, ostentamos quase 10% dos casos de Covid. A diferença, claro, é que na terra dos corajosos e livres (metade deles desequilibrados o bastante para votar em Donald Trump) a vacinação já começou. Aqui, foi só sob muito aperto que o almoxarife-general do Ministério da Saúde cuspiu um plano meia-boca de imunização.

Se ele não der mais mostras de incompetência e subserviência, o que parece improvável diante do retrospecto, com sorte a vacinação começará em março. Mas não para todos os brasileiros: até julho de 2021, só estão garantidas doses para vacinar um terço da população.

Isso, decerto, se não houver mais percalços com o imunizante da AstraZeneca em que o governo Bolsonaro fez a única aposta de monta (100 milhões de doses até meados do ano). É verdade que, se o presidente não parar de lançar dúvida sobre as vacinas, pode não faltar produto —por falta de demanda, como diria o ministro Eduardo Pazuello.

Não há motivo algum para festas neste desgraçado 2020, que já vai tarde. Seria enorme imprudência realizá-las juntando mais de umas dez pessoas com quem já se está em contato.

Os brasileiros, porém, gostamos de nos arriscar. Nas ruas de São Paulo, veem-se cada vez mais pessoas caminhando sem máscaras, ou portando-as só sobre a boca, quando não apenas no queixo. Estão rindo do quê?

Talvez sejam paulistanos que já tiveram Covid. Talvez. Mas que direito têm eles de exibir os dentes ruins como troféus de uma imunidade duvidosa, de uma coragem besta, de uma indiferença agressiva com os outros?

Nenhum. Mas imitam o exemplo e o esgar do presidente da República.

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