É repórter especial da Folha, autor dos livros "Folha Explica Darwin" (Publifolha) e "Ciência - Use com Cuidado" (Unicamp). Foi ombudsman da Folha de 1994 a 1997 e atualmente escreve coluna no caderno "Ciência".
Ora, o 'Manual'...
O assunto jornalístico da semana foi sem dúvida o belo furo do jornal ''O Globo'' domingo passado:
''Documentos identificam mortos do Araguaia''. Com esta e outras três manchetes durante a semana, o principal diário fluminense lançou um pouco de luz sobre um capítulo obscuro da história recente do Brasil.
A Folha foi lenta em reconhecer o furo do concorrente. Só na edição de terça-feira publicou reportagem sobre a descoberta. Pior, o maior jornal do país não fez jus à própria estatura e agrediu seu código de ética, o ''Novo Manual da Redação''.
A reportagem saiu na pág. 1-12 com o título ''Exército sonegou ao governo informações sobre guerrilha''. Evidentemente, tratava-se do caso levantado pelo ''Globo''. O nome do jornal, porém, não era citado.
Nem é preciso conhecer o ''Novo Manual'' para saber que a omissão é eticamente inadmissível. Mais mal ainda fica a Redação da Folha quando se conhece o compromisso que ela tornou público na pág. 34 do seu código de conduta:
''A Folha não deixa de publicar informação que outro jornal, revista, emissora de rádio ou TV já tenha noticiado com exclusividade. A Folha cita nominalmente o veículo de comunicação que tenha dado um furo importante''.
Reincidente
Não é a primeira vez que os jornalistas da Folha descumprem esse preceito. Em pouco mais de um ano e meio como ombudsman, várias vezes indiquei esse tipo de desvio na minha crítica interna da edição (documento de 2 a 4 páginas que circula pela Redação no início da tarde).
Por coincidência, critiquei aqui na semana passada o hábito de jornais minimizarem ''casos'' dos concorrentes, como o assassinato atribuído à ''Máfia da Saúde'' pelo ''Jornal do Brasil'', em 25 de abril. Outro exemplo podia ser encontrado na mesma edição de 30 de abril, em que uma reportagem sobre Rose, ex-mulher de Pelé, citava a revista ''Veja'' somente de passagem.
O caso Araguaia/''Globo'' é muito mais grave, e não só pela importância da revelação. Não contente em omitir a fonte do material exclusivo, a Folha fantasiou a reportagem como produto de investigação própria. Leia o terceiro parágrafo dessa peça indigna da reputação do jornal:
''A Folha apurou que os arquivos do Exército possuem os documentos. Há inclusive fotos do arquivo particular de um militar que participou das campanhas do Exército, realizadas entre 72 e 75 para derrotar a guerrilha, mostrando cadáveres de militantes do PC do B''.
Crítica interna
Nesse dia, abri a crítica interna com uma nota virulenta contra tanta falta de respeito pelo trabalho alheio (no caso, dos repórteres Adriana Barsotti, Aziz Filho e Consuelo Dieguez). Com efeito, a ''apuração'' da Folha tinha sido feita também por centenas de milhares de pessoas, no domingo, ao ler a reportagem do ''Globo''. As fotos e os documentos estavam todos lá, quatro páginas de jornalismo puro.
Nesse comunicado, indiquei como exemplo a ser seguido pela Folha o comportamento da ''Gazeta Mercantil'', que reconheceu o furo logo no segundo parágrafo de sua reportagem: ''A questão da localização dos guerrilheiros do Araguaia foi recolocada devido a um dossiê publicado no final de semana pelo jornal O Globo''. Simples e direto, como a verdade.
Em nome dela, acrescento uma última e decisiva informação sobre esse episódio lamentável: a Direção de Redação comunicou ao ombudsman na própria terça-feira que a menção ao diário fluminense constava do texto original da Sucursal de Brasília, mas tinha sido retirada na Redação, em São Paulo.
Os US$ 4,5 bilhões do Incra
Na segunda-feira, o presidente do Instituto de Colonização e Reforma Agrária, Raul do Valle, procurou o ombudsman para contestar a manchete da Folha naquele dia: ''Incra deixa de utilizar crédito de US$ 4,5 bi''. Disse que a tal linha de crédito não existe, oficialmente, só uma proposta vaga apresentada em correspondência apócrifa.
O caso pode representar um erro jornalístico grave e esteve sob investigação ao longo de toda a semana pela Direção de Redação. Até a tarde de anteontem, não havia ainda conclusão.
Como estarei fora durante a semana (para a convenção anual da Organização dos Ombudsmans de Imprensa, na Filadélfia), aviso que só terei condições de retomar o assunto na coluna do dia 19.
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