Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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Marcelo Viana

Decifrando os escritos do palácio de Minos

Além de residência real, construção era grande armazém e entreposto comercial

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Em 1900, o arqueólogo britânico Arthur Evans (1851–1941) descobriu na ilha de Creta as ruínas do “palácio do rei Minos”, com o labirinto onde o monarca escondeu o Minotauro, monstruoso fruto da relação entre sua mulher Pasifae e um touro divino.

Historicamente, mais do que residência real, o palácio era um grande armazém e entreposto comercial. Os registros das operações de estoque, compra e venda são parte importante dos achados arqueológicos.

Evans constatou que esses registros usavam três tipos de escrita, que chamou hieroglífica, Linear A e Linear B.

Ele descobriu que as escritas “lineares”, embora tenham símbolos em comum, são muito diferentes.

Ruínas de um palácio, com pilastras vermelhas
Reconstrução feita por sir Arthur Evans do palácio minoico de Cnossos. - Wikimedia Commons

Por exemplo, Linear A tem símbolos para representar frações, como 1/2 ou 2/3, enquanto que Linear B descreve partes fracionárias usando unidades menores (como fazemos, por exemplo, em 1h20m). Isso sugeria que as duas escritas correspondiam a idiomas diferentes e, assim, foi ganhando força a ideia de que Linear B poderia ser grego antigo.

À morte de Evans, em 1941, seguiram-se anos de intensos esforços para conseguir decifrar a escrita Linear B, sobretudo da parte de Emmett Bennett (1918–2011) e Alice Kober (1906–1950).

A morte prematura de Kober, uma das poucas mulheres neste metiê, contribuiu para que o seu trabalho não tenha sido valorizado como merece. É impossível não lembrar do caso de Rosalind Franklin (1920–1958), codescobridora da estrutura da molécula do DNA, também vítima prematura do câncer.

Ao final, foi o jovem arquiteto e linguista amador Michael Ventris (1922–1956) quem levou a maior parte do crédito, merecidamente. Mas, no caso dele, o desaparecimento só fez crescer a sua lenda de gênio.

Ventris publicou seu primeiro trabalho sobre a escrita Linear B aos 18 anos de idade e foi obcecado pelo tema até a morte.

Depois de insistir durante anos que o idioma seria o etrusco, em junho de 1952 ele se convenceu de que era o grego.

O sucesso, baseado também no trabalho de seus predecessores, foi espetacular: a primeira tradução de Linear B, que publicou em maio de 1953, revelou uma passagem da Ilíada de Homero: “um magnífico copo adornado com tachas douradas... tinha quatro alças. Qualquer outra pessoa teria dificuldade em tirar o copo da mesa quando cheio, mas Nestor, por mais velho que fosse, conseguia levantá-lo sem problemas”.

Desde então, os textos em Linear B descobertos em Creta e na Grécia puderam ser sistematicamente decifrados.

O fato de que a maioria dos textos trata somente de transações comerciais e não tem interesse literário não diminui em nada a magnitude da façanha.

A escrita Linear A permanece incompreendida, como outras línguas antigas.

Mas a segunda metade do século 20 trouxe outro avanço notável: a decifração dos glifos maias. Fica para outro dia.

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