Dez anos atrás, estava explicando a Anita, minha filha, quem eram os personagens representados no vitral de um museu quando ela –então com três anos– exclamou orgulhosa: "Esse eu estudei na minha escola; ele saiu da banheira!". Estava se referindo à famosa cena —não se sabe por quem presenciada— do matemático e cientista grego Arquimedes, pulando do banho e gritando "Eureca!".

Na verdade, a representação no vitral se referia ao filósofo Platão, mas a criança não estava errada. Não temos nenhuma ideia de como se parecia qualquer um deles, já que não existe nenhuma imagem realizada por alguém que os tenha conhecido em vida. Anita apenas identificou uma imagem genérica de "pensador grego clássico" (o que, aliás, deixou o pai coruja muito orgulhoso).

É mais surpreendente ainda que não existam imagens confiáveis de cientistas muito mais próximos de nós no tempo. E o caso do matemático francês Adrien-Marie Legendre (1752–1833) é particularmente estranho.

Legendre é um dos quatro grandes Ls com que a França brindou o mundo nos séculos 18 e 19, juntamente com Lagrange, Laplace e Leverrier. Fez trabalhos fundamentais em teoria dos números, análise, mecânica celeste e várias aplicações da matemática. Existem diversos conceitos com o seu nome: transformada de Legendre, símbolo de Legendre, relação de Legendre, entre outros.

Em meus cursos, abordo com frequência a equação diferencial de Legendre. E os polinômios de Legendre são usados extensivamente em cálculo numérico, além de terem papel crucial na solução das equações da mecânica quântica para o átomo de hidrogênio (modelo de Bohr-Sommerfeld).

Por essas contribuições, Legendre é um dos 72 cientistas que, como homenagem, tiveram seus nomes inscritos na Torre Eiffel. Além disso, em 1811 foi armado cavaleiro pelo imperador Napoleão Bonaparte, um dos governantes da história que mais priorizava o mérito e a ciência (com uma queda especial pela matemática).

Apesar de seu enorme prestígio científico, muito pouco se sabe sobre a vida de Legendre. Em particular, não dispomos de nenhuma imagem fidedigna dele. É provável que isso seja exatamente o que ele queria: em seu panegírico, Siméon-Denis Poisson afirmou que "o nosso estimado colega frequentemente exprimiu o desejo de que ao falarmos dele o fizéssemos apenas em relação aos seus trabalhos científicos, que são, de fato, toda a sua vida".

O que é estranho é que imagens supostamente de Adrien-Marie abundam na internet, mas na verdade são de outra pessoa. Pior, são de alguém cujas ações tiveram impacto muito negativo na vida do matemático. O erro só foi descoberto em 2009. Conto na semana que vem.